Lula sabota Lula. Mesmo com a vitória na Câmara na noite dessa quarta-feira (31), em que perdeu os anéis, mas salvou a maioria dos dedos, o governo Lula segue nas cordas, refém de sua desorganização no Congresso. O que, além da gula ali sem limites, reflete um jeito errático de governar.
A prioridade de Lula nesses seus primeiros cinco meses de governo foi a política externa. Fez um belo contraponto a Bolsonaro. Seu problema foi que depois de construir boas jogadas quando chegou na cara do gol chutou pra fora. Tentou se apresentar como um líder da paz mundial, com a pretensão de intermediar a guerra na Ucrânia, mas queimou o filme numa manifestação na China em que tomou partido contra quem condena a agressão russa. Tentou corrigir em viagem a Europa, mas desperdiçou a oportunidade de zerar o jogo com um encontro com Zelenski no Japão.
Fez nova investida trazendo ao Brasil os líderes de todos os governos da América do Sul. Escolheu o campo pra vencer de goleada. Antes mesmo da reunião acontecer pisou feio na bola ao transferir seu protagonismo regional para o ditador Nicolás Maduro, da Venezuela. O encontro virou mais um fiasco.
Enquanto perdia tempo com essas trapalhadas internacionais, Lula foi omisso no jogo político interno. É até compreensível que não goste de de prosas com Arthur Lira e sua trupe. Mas conversa bem com outros políticos do mesmo naipe, como Davi Alcolumbre e Renan Calheiros.
Assim, montou um ministério que no quesito cooptação parlamentar ficou capenga. Deu 9 ministérios para o União Brasil, PSD e MDB, mas na Câmara dos Deputados não recebe os votos esperados. Não dá nem pra criticar Arthur Lira. Há tempos, ele vem alertando sobre a insatisfação dos deputados do Centrão e alhures com esse arranjo ministerial que não os atendeu. Com todas as letras, disse que, mantido esse modelo, o mais eficaz seria liberar grana para os parlamentares.
Os articuladores políticos do governo não só entenderam como concordam com esse diagnóstico. Os líderes José Guimarães (governo) e Zeca Dirceu (PT) e o ministro Alexandre Padilha (Articulação Política) sabem de cor e salteado a insatisfação dos deputados que trocaram a fartura do Orçamento Secreto pelo conta-gotas de agora.
A síndrome dessa abstinência de grana e a má escalação de ministros de partidos ligados ao Centrão são o fermento dessa rebelião na Câmara, em que Lira surfa pra tentar enquadrar Lula, como fez com Jair Bolsonaro. Lula até piscou, mas não caiu na armadilha de Lira. Abriu os cofres, liberou numa tacada só uma bolada de R$ 1,7 bilhão em emendas parlamentares, telefonou pra Lira, manteve uma conversa protocolar, mas não cedeu à apresentação de uma conta mais salgada num tête-à-tête.
Arthur Lira não gostou, esticou a corda, depois cedeu. A Medida Provisória que reestruturou o governo, com todas as reduções de poder do Meio Ambiente e da Pasta dos Povos Indígenas, finalmente foi aprovada pela Câmara por 337 a 125 votos. Foi um alívio pro governo, mas o sufoco continua. “Caminhamos no fio da navalha. O governo vai ter que fazer repactuações”, desabou José Guimarães após a votação.
A questão não é ceder ou não ao Centrão. É tornar o processo de decisão do governo mais plural. Hoje parece exclusivo de Lula que, focado em outras prioridades, o delega em parte a alguns petistas, sem nenhuma autonomia.
Nesse cenário algo caótico, a alternativa parece clara. Ou Lula assume o leme e dá uma direção a seu barco ou vai seguir à deriva, com risco de naufrágio.
A conferir.