“É preciso superar a polarização”, defende Edson Fachin

Em encontro na FGV, além de apoiar a ação dos juízes do STF na defesa da democracia, o professor Oscar Vilhena também apontou as emendas constitucionais como um instrumento para evitar rupturas antidemocráticas

Edson Fachin é juiz da Suprema Corte do Brasil - Foto: Orlando Brito

Para o ministro Supremo Tribunal Federal (STF), Edson Fachin, é preciso superar a polarização, que virou sectarismo, o ódio e encontrar soluções dentro da democracia e da constituição. “A democracia exige temperança para que os dissabores não se transformem em ódio. Ela exige que acreditemos que o compromisso de todos, mesmo os pensam de forma diversa, é o de acreditar no processo democrático para resolver as diferenças”, disse Fachin ao falar na abertura da palestra “O  Futuro da  Democracia Constitucional Brasileira”, do professor Oscar Vilhena, da Fundação Getúlio Vargas (FGV).

Rosa Weber, juíza do STF, preside a Corte Máxima da Justiça brasiliana – Foto: Orlando Brito

Na plateia, entre outras autoridades, a presidente do STF, Rosa Weber, e a ex-procuradora-geral da República, Raquel Dodge. Este tipo de palestra é feito desde 2015 pelo gabinete de Edson Fachin para seus colaboradores e convidados com o objetivo de aprofundar discussões e reflexões sobre temas da atualidade.

Dever de todos 

A defesa do Estado Democrático, da Constituição de 1988 é um dever de todos os cidadãos, não apenas dos três poderes da República na sua mais ampla independência de atuação. ”A separação dos poderes serve para que as regras mais abstratas, feitas pelo poder legislativo, possam ser individualizadas, pelo executivo, garantindo se ao cidadão que se sente lesado o recurso do judiciário. São estas instituições que fazem que cada endividou tenha igual voz e igual participação nos assuntos públicos”, disse Fachin.

Constituição de 1988, também conhecida como Constituição Cidadã

O professor Oscar Vilhena, ao apresentar um profundo estudo sobre a evolução constitucional nos últimos 35 anos, disse que a Constituição de 1988 recebeu 128 emendas. Mas, apesar deste elevado número, teve poucas mudanças no núcleo de direitos fundamentais. A maior parte das mudanças se concentra em matérias orçamentárias, envolvendo disputas da alocação de recursos públicos, como a Emenda Constitucional 100/2019, conhecida como orçamento impositivo, que inovou ao repassar a execução de parte do orçamento ao legislativo, fato inédito até então.

Frustração popular 

Manifestação de estudantes em 2013 em frente ao Congresso Nacional, sede de um dos três poderes no Brasil – Foto: Orlando Brito

Ainda para Oscar Vilhena, a constituição se materializa quando a sociedade acredita nos valores por ela proposta e defende os direitos e prerrogativas nela contida, caso contrário ocorrerá um distanciamento entre a carta constitucional e a realidade da sociedade, causando uma descrença nas instituições e enfraquecimento da democracia. Neste ponto, Vilhena acredita que a frustração das expectativas em torno de direitos sociais e individuais previstos quando da aprovação da Constituição de 1988, e que não foram plenamente atendidos por políticas públicas nos governos que se seguiram, colaborou para as manifestações de descontentamento da população a partir de 2013, iniciando um processo de desconfiança e desestabilização da relação institucional da sociedade e os componentes do Estado.

Este fenômeno de recrudescimento das relações e descontentamento foi cooptado por uma parcela da sociedade, que se apropriou do discurso em nome de uma agenda própria para impor uma narrativa que viria a ser diretamente contra os mandamentos constitucionais, como regressão de direitos e apelos antidemocráticos, culminando nos acontecimentos do último 08 de Janeiro, quando as sedes dos três poderes foram invadidas por golpistas.

STF como garantia 

Vista parcial do Supremo Tribunal Federal, em Brasília, um dos três prédios invadidos por golpistas bolsonaristas em 8 de janeiro de 2023

No entanto, segundo  Vilhena, coube ao STF, e em especial aos seus ministros, a defesa do estado democrático de direito, como último guardião da constituição, em uma prova da força das instituições brasileiras e de sua resiliência quando ameaçadas por forças antidemocráticas e inconstitucionais.

Vilhena ainda lembra que a defesa dos valores republicanos e da constituição deve ser intransigente e que não se pode confundir liberdade de expressão e de associação com atitudes como ir à frente dos quartéis para pedir intervenção militar, que é tipificado como crime de atentado contra a democracia, escolha esta feita pelos constituintes em face das ocasiões durante a história do Brasil em que os militares intervieram no sistema de poder do País.

De olho na Constituição dos EUA 

Em suas considerações finais da palestra, o professor Oscar Vilhena argumentou que, desde a sua origem, com a promulgação da Constituição norte-americana em 1787, foi criado um importante mecanismo de rejuvenescimento da constituição e atualização desta através do tempo, na forma das Emendas Constitucionais e na mutação constitucional. No caso norte-americano foi o próprio George Washington, preocupado com a forma como os seus compatriotas nos anos seguintes iriam enxergar a realidade e a própria constituição, interferiu pela criação do mecanismo das emendas.

Ao centro, sentado e de terno preto, Ulysses Guimarães, presidente da Câmara dos Deputados e da Constituinte, durante a promulgação da Constituição Federal de 1988 – Foto: Arquivo / Agência Brasil

Já no Brasil, durante a Assembleia Nacional Constituinte, Ulysses Guimarães teve o mesmo entendimento garantindo que a nova Constituição que ali estava sendo criada possuísse mecanismos para enfrentar o teste do tempo e se aperfeiçoar. Oscar Vilhena vê o processo de evolução incremental da constituição como única forma sustentável de atendimento aos anseios da sociedade com o passar do tempo, pois uma nova constituição ou uma ruptura constitucional abrupta como se vê na Venezuela, Hungria e, até mesmo, no Chile se revelam extremamente desafiadoras dada a complexidade do cenário atual e das demandas dos mais variados setores sociais.

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