Jair Bolsonaro está cansado de saber que não vai adiantar nada bater o pezinho e botar os caminhoneiros golpistas para bloquear estradas. Isso não vai anular o resultado das eleições, e nem apagar o fato de que Luiz Inácio Lula da Silva é o novo presidente do Brasil e tomará posse em 1 de janeiro. A cadeira de ditador perpétuo Bolsonaro não vai conseguir, até porque, nacional e internacionalmente, todo mundo que importa já reconheceu e legitimou a vitória de Lula – até seus aliados bolsonaristas.
O que quer então o capitão ao alimentar esse estado artificial de pré-golpe? Quer mostrar força, dizem alguns. Tentar passar a falsa ideia de que pode parar o país, hoje e durante o futuro governo. Com esse raciocínio tortuoso, pode estar achando que assusta o presidente eleito, o STF e outras forças, a ponto de levá-las a negociar com ele um armistício.
Armístício para quê? Para não ir parar na cadeia – um medo crônico que hoje está maior do que nunca – negociando o arquivamento dos inquéritos de que é alvo, ou promessas de indulto e assemelhadas.
Se é essa a intenção, porém, deu um tiro no pé. Se a chance de um acordão já seria remota mesmo no caso de uma transição de governo relativamente normal, agora torna-se impossível. Até porque quem preside os inquéritos nos quais Bolsonaro e seus filhos são alvo por atentados diversos à democracia é o mesmo ministro Alexandre de Moraes que garantiu o processo eleitoral.
É Xandão quem está hoje tomando as decisões que obrigam as polícias militares e os governadores a reagirem contra o caminhoneiros – atitude tomada depois de perceber que forças federais como a PRF davam sinais de cumplicidade com o movimento. Foi ele também que ameaçou de multa e prisão o presidente da corporação caso ele não tomasse providências contra os bloqueios.
Está descartada, portanto, a possibilidade de Xandão aliviar a situação de BolsoNero – tomo emprestado de meu amigo Rudolfo Lago o apelido – , e é muito provável que, ao contrário, vá complicá-la bastante. No mínimo, é mais um inquérito contra o presidente da República.
Se as coisas piorarem, interlocutores de ministros do STF não descartam nem mesmo a possibilidade de uma ação tramitar em tempo recorde e gerar, quem sabe, um processo de impeachment contra o presidente da República por golpismo.
Vai dar um trabalho danado, e não estava nos planos de ninguém, mas, com 60 dias de transição pela frente, aliados de Lula já avaliam que, se o sujeito que continua com a caneta na mão se tornar uma ameaça ao país, pode não haver outra solução a não ser apeá-lo logo do poder. Há quem diga que talvez seja esse o plano que hoje está na mente doentia de Bolsonaro: vitimizar-se e dramatizar ainda mais sua saída do Planalto. Quem sabe uma solução a la Roberto Jefferson a caminho da cadeia.
É bom lembrar: Bolsonaro escapou até hoje de um impeachment em função do acordo pelo qual entregou o governo ao Centrão. Mas agora o governo acabou, e o Centrão já reconheceu a vitória de Lula.