Bolsonarismo: o que é e o que extrapola o personagem Bolsonaro

Bolsonaro nunca poupou elogios à ditatura e a torturadores. Sempre desprezou mulheres e as minorias. Talvez por isso, tenha tantos admiradores. Pessoas que acreditam que o ex-presidente encarna o que são ou pensam

Bolsonaristas na Esplanada dos Ministérios - Fabio Rodrigues Pozzebom/ABR

Penso como muitos amigos ou conhecidos muito próximos, de todas as classes sociais, ricos e pobres, brancos e pretos, sulistas ou do norte, hétero e não héteros, podem louvar um ser humano tão abjeto como Bolsonaro.

Bolsonaro não poupou elogios à ditadura e a torturadores como Brilhante Ustra e desprezo pelas mulheres e minorias. “Não te estupro porque você não merece” disse para a Deputada Maria do Rosário. Na Revista Playboy afirmou que “seria incapaz de amar um filho homossexual”. Para a ONG Open Democracy chamou ativistas negros de “animais” e pediu que eles “voltassem para o zoológico”.

Nem entro no festival de absurdos do Messias para milhões . Daria um novo Febeapá (Festibal de besteiras que assola o país) de Sérgio Porto (Stanislaw Ponte Preta). Permaneço nos pré-juízos dos mais próximos.

Tenho para mim que para esses meus amigos e colegas o ex-presidente encarna o que eles são ou pensam, mesmo e ainda que tímida ou covardemente. Quase todos negam ser racistas, homofóbicos ou misóginos. Afirmam ter amigos negros, homossexuais, serem casados e respeitarem suas esposas, e isso é crível (para alguns que não representam certos papéis sociais, do bom marido, bom patrão, bom sócio, bom amigo, bom cidadão pagador de impostos, etc).

Foto Orlando Brito

Laços afetivos mais imediatos talvez contenham a força estrutural do machismo nas hierarquias sociais, do odioso legado dissimulado do escravismo, da subalternização feminina de muitas maneiras ainda reproduzidas nos cotidianos familiar e profissional. Daí a legitimidade com a qual verdadeiras manifestações preconceituosas, odiosas e criminosas, (além de moralismos virtuosos e autoelogios aos “incorruptíveis”) da parte do líder da extrema direita serem aceitas por muitos, inclusive por cristãos evangélicos ou não, como naturais, “coisas impensadas” ou ” verdades que só o Mito tem a coragem de afirmar em público”…

Manifestação de fã de Bolsonaro em frente ao STF – Foto Orlando Brito

Todo o anedotário de afrontas à democracia, ao Judiciário, aos pobres do nordeste, aos povos indígenas, e toda a falta de empatia com jornalistas, professores e artistas, com a questão do trato ambiental adequado à Amazônia e com os setores progressistas (de esquerda e liberais) foram crescendo junto à população para os quais a truculência, a ignorância e à admiração de abomináveis lideranças ultraliberais da extrema direita, são somente um detalhe diante de um projeto maior, de “saneamento” ou limpeza do que costumam denominar como “lixo”… Nesse aspecto o bolsonarismo, escorado no antilulismo e em outros fatores, engendrou e catapultou uma figura relativamente obscura, Bolsonaro, extrapolando-o.

As raízes do ódio no nosso país são centenárias e o pêndulo populista agora afirma a sua vocação iliberal. A derrota eleitoral do protofascismo é importante, mas diz pouco sobre reais mudanças na cultura popular. Parte desta abdica das instituições e das elites em favor de uma liderança autocrática. Anestesiados pelo medo e pela insegurança e alimentados por fake news e fantasmas, constituem aquilo que Hannah Arendt via como seres humanos responsáveis pela banalidade do mal.

Bolsonaristas invadem a Espalanda dos Minist´[erios – Foto Orlando Brito
Questão recorrente: a desinformação induz meus amigos e conhecidos a aceitar, aplaudir e legitimar o assassinato da incipiente e problemática democracia liberal (muitos inconscientemente, talvez)? Ou a excrescência nazifascista em seus caracteres básicos já carrega um DNA totalitário tardio. Ou seja, trata-se de indivíduos ressentidos e desesperados, potencialmente apavorados diante de muitas crises reais e fictícias, ávidos pelo gozo Redentor dos moralistas absolutos.

Deixe seu comentário