Benjamin Netanyahu deve ter imaginado que se manteria como o homem forte da coalizão governamental e seria capaz de neutralizar a ala radical, ortodoxa e fascista. Mas o que aconteceu foi exatamente o inverso, tornou-se refém dos extremistas, tendo que enfrentar a sociedade israelense e os judeus da Diáspora, em imensas manifestações de protesto. Hoje, aparentemente perdido, tenta usar de sua experiência internacional para ganhar tempo e evitar o pior (para ele): a perda do poder e o risco de terminar os seus dias na cadeia. Foi bater na porta de Joe Biden, recebeu um sabão do ocupante da Casa Branca.
Parece que o senso político, que foi durante muito tempo seu principal trunfo, desapareceu.
Bibi, como é conhecido, brincou com fogo e se queimou. A última brasa, que incendiou o país, foi a demissão do ministro da Defesa, Yoav Galant, dia 26 de março. Galant, membro do Likud, partido do primeiro-ministro, teve a ousadia da clarividência, ao pedir, após semanas de contestação, a suspensão da polêmica reforma do Judiciário, que decretaria o fim da única democracia do Oriente Médio.
No dia seguinte, pressionado como nunca, o chefe do governo não teve saída, senão resignar-se; declarou uma pausa, sem contudo abandonar o projeto de lei, que voltará a ser votado após as festas católica, muçulmana e judaica. Ou seja, dentro de aproximadamente um mês. Pelo menos é o que ele espera.
O recuo estratégico foi amplamente considerado insuficiente, tanto em Israel como no resto do mundo e, sobretudo, nos Estados Unidos. Ao falar com jornalistas , Biden foi mais direto que de hábito, disse que esperava que o governo israelense abandonasse a reforma judicial.
“Como muitos dos grandes apoiadores de Israel, estou muito preocupado. Eles não podem seguir por esse caminho. Deixei isso claro de certa maneira. Tenho esperança de que o primeiro-ministro vá agir de modo a alcançar um verdadeiro consenso. Veremos”, disse o democrata.
Benjamin Netanyahu está na berlinda; não pode contar nem sequer com a sua experiência internacional. As relações com os Estados Unidos raramente estiveram tão ruins. Biden está com Bibi atravessado na garanta desde o tempo em que era vice-presidente e que o então chefe do Likud fez campanha pela reeleição de Donald Trump.
Normalmente, a reforma judicial seria discutida em Washington, num tête-à-tête entre Netanyahu e Biden, salvo que o presidente dos Estados Unidos se nega a convidar o primeiro-ministro.
Neste meio tempo, a questão palestina, que estava no ponto morto desde a retirada das tropas israelenses da Faixa de Gaza, por determinação de Ariel Sharon, foi desenterrada e voltou ao debate. O que pode significar o renascimento da esperança de retomada das negociações e da esquerda israelense.
Inicialmente, quando começou a se manifestar contra a reforma judicial, a população de Israel refutou qualquer relação com os direitos do povo palestino. Mas como assinala o jornal Le Monde, em editorial, ela acabou se impondo, pois “a salvaguarda de seus direitos pertence ao mesmo imperativo moral que a preservação dos direitos dos israelenses.”
Nunca Israel teve um governo tão à direita. O ministro das Finanças, Bezalel Smotrich, reconhecidamente um supremacista judeu, justificou uma operação punitiva de colonos extremistas israelenses contra um vilarejo palestino e chegou a negar a existência de um povo palestino.
A cada dia que passa a situação complica mais e mais, colocando em xeque a sobrevivência política de Netanyahu. O recente reatamento de relações entre a Arábia Saudita e o Irã, sob os auspícios de Pequim, foi um golpe severo à pretensão do governo de Israel de isolar Teerã. Os fatos deram razão aos seus adversários. Após os acordos de Abraham, graças aos quais Israel, Bahrein e os Emirados Árabes normalizaram suas relações, a aproximação dos gigantes xiita e sunita marginaliza o Estado hebreu e reduz Bibi ao papel de mero figurante.
Está claro que a longevidade excessiva de Netanyahu se voltou contra ele. Poucos são aqueles que ainda apostam 1 Shekel na capacidade deste governo de suplantar a crise que ele próprio provocou. A máscara caiu. Agora, a melhor coisa que pode acontecer para Israel, para os palestinos, para a democracia, a paz e o entendimento regional é a renúncia imediata de Bibi e sua gangue, que a bem da verdade só merecem repulsa, abominação e ostracismo. É a condição sine qua non para que esse capítulo da extrema direita seja enterrado…para sempre.