A grande nação dos tubaína

Jair Bolsonaro agora usando máscara - Foto Orlando Brito

O Brasil já tinha mais de 250 nações, somando-se à Nação nacional as nações indígenas, mas amanheceu com mais uma, de uns 50 milhões dos que não votaram em Bolsonaro. Pode ser até mais populosa se contadas as pessoas que discordam dele, o suficiente para serem consideradas esquerdistas, esquerdopatas, comunistas e, agora, tubaínas. Pode ser que em algum dia futuro o novo neologismo passe a figurar como verbete dos glossários e dicionários de política: ‘Tubaína – s. f., pessoa que não aderiu ao uso da cloroquina no combate ao covid-19; esquerdista’.

E, tal como disse Odorico Paraguassu, “Hoje, somos todos Tubaína”.  Ao que alguém, questionará: “Mas, Odorico disse isto?” Ao que responderei: Se não disse, deveria ter dito. Vale também para Rui Barbosa, Benjamim Franklin, Carlos Chagas, Oswaldo Cruz, Paulo Freire ou qualquer outro constitucionalista ou simplesmente quem quer que não queira cloroquina no receituário de enfrentamento do novo coronavírus. 

O que dá pra rir dá pra chorar, diz o ditado, também verso de samba.  O problema é que também rende votos. O ‘falem bem ou falem mal, mas falem de mim’, na mídia, funciona, e muito. É a receita dos novos magos das campanhas eleitorais – Steve Bannon e genéricos e similares – que foram e ainda seriam estrategistas de Trump, Bolsonaro e que ostentam ter facilitado eleições de mais de 70 chefes de Estado. Entre os conselhos dos carésimos conselheiros, a pérola: esteja no topo dos acessos, polegar para cima ou para baixo, pouco importa.

O professor McCombs

No campo das ‘Ciências da Comunicação’, entre elas, o marketing eleitoral, a fórmula de estar sempre no set não é novidade. A jurisprudência teórica data de 1970, firmada pela dupla de pesquisadores norte-americanos, Maxwell McCombs e Donald Shaw. A “hipótese” do agenda-setting (agendamento), criada por eles, consiste no seguinte postulado: “A sociedade tende a discutir o que a mídia agenda”. Já os seguidores de Bannon acreditam mais além: turbinar o agendamento com agressividade dá mais votos, ainda. 

Bernard Cohen

McCombs e Shaw foram corroborados mundo afora e entre os próprios norte-americanos há afinidades. Antes deles, Walter Lippmann, importante estudioso de opinião pública, sentenciou (1922): “A mídia é a principal ligação entre os acontecimentos e as imagens desses acontecimentos em nossas mentes”. Outro de respeito, Bernard Cohen, escreveu (1963): “A mídia pode até não ser eficiente em dizer COMO pensar, mas tem uma capacidade espantosa em de dizer O QUE pensar”. Na Faculdade de Comunicação da UnB, a mestranda Ranata Crispim Andrada fez uma pesquisa sobre as táticas de agendamento do Greenpeace. São tão eficazes que as pessoas mais memorizam os aspectos visuais e performáticos do que o conteúdo “ecologista” de suas “ações diretas”. Já obtinham mídia em todo o mundo antes de existirem internet e redes sociais.

Tal como no dilema proposto nos apelos de uma antiga marca de biscoitos, não se sabe se algo é chocante porque é bolsonarista, ou se é bolsonarista porque é agressivo. O estilo está feito e ao que tudo indica Bolsonaro é terrivelmente espontâneo em seus barbarismos. E quando se acha que ele se superou, ele e alguns de seus ministros imitadores reaparecem. E o que para outros seria desastroso, para eles faz parte do vale tudo, mesmo infames pastelões, como no uso indevido da Turma da Mônica para zombar dos chineses. 

Na mesma ocasião das risadinhas fazendo pouco da valorosa Tubaína (vende, mesmo sem propaganda), Lula foi infeliz numa força de expressão. Ao reconhecer um benefício por vias perversas, soou estranho e quase se depreende que ele foi simpático à pandemia. Bolsonaro, por sua vez, parece sempre se dar bem como um político politicamente incorreto, mesmo quando atua como um cafajeste, emitindo duplo sentido imoral e jocoso em relação a uma jornalista ou quando manda um repórter calar a boca. Por vias tortas, determina: Publiquem!

Manifestação pró-Bolsonaro pede fechamento do Congresso e do STf – Foto Orlando Brito

O normal nas fábulas é que o abusador um dia de provar do próprio veneno. Também um dia de ser ridicularizado. Todavia, não parece provável que Bolsonaro avance para um ‘novo normal’. Ele nunca será normal. Soam artificiais suas atitudes revisionistas, de usar corretamente uma máscara; de ralhar com admirador que insiste no fechamento do STF e do Congresso; e de amanhecer com pena das vidas perdidas para o novo coronavírus. É mais fácil, acho, a outra nação, a dos 53 milhões que votaram nele, fazer uma autocrítica do que ele deixar de ser briguento e vulgar. Ou não?

Se em algum dia Bolsonaro aparecer dizendo que não é mais a favor da tortura, testem a temperatura. Pode carecer de isolamento. E os bolsonaristas? Uma vez seduzidos, sempre engrossando o coro de… Mito? Vários dos entusiastas poderosos de primeira hora desertaram e até o denunciam, haja vista, Sérgio Moro e Paulo Marinho. Quanto aos marqueteiros, creio, pouco adiantará se vierem para ele com uma de… Tá na hora de ‘vender’ outra imagem.

Já tivemos um presidente extraído diretamente da “inteligência” da ditadura pós-64, um durão, também afeito a tiradas grosseiras, porém mais dócil a retoques no figurino. Tirou a farda, tirou os óculos de tira, e se esforçou para ser o “João do Povo”. Talvez, por não ter sido, por natureza, o político gênero raposa. A moral da fábula ainda não mudou, de Fedro a Monteiro Lobato, passando por Esopo e La Fontaine: Vulpes mutat pilum nom mores (A raposa muda de pelo, não de costumes).

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