A UDN foi o grande partido do Brasil. Seus quadros constituíam a elite nacional, juntando conservadores com a esquerda democrática, como os dois irmãos que traziam incorporados em sua biografia a luta e o exílio curtidos na oposição a Getúlio Vargas: Otávio Mangabeira e João Mangabeira, brilhantes e combativos.
Organizados em partido depois da queda do Getúlio, tinham por hábito reunir-se toda quarta-feira em sua sede, na Rua México, 3, onde as diversas alas e divergências cruzavam espadas.
Quando eu cheguei ao Rio, em 1955, um ano após o suicídio de Vargas, graças a Odylo Costa, filho — a mão generosa que me acolheu e tinha, como secretário do Brigadeiro Eduardo Gomes, entrada no sínodo —, eu, coroinha, passei a conhecer, deslumbrado, as figuras que eram da minha devoção. Na casa de Odylo, na Rua Áurea, reuniam-se os cardeais Carlos Lacerda, Milton Campos, Magalhães Pinto, Osório Borba, Afonso Arinos, misturados com intelectuais como Manuel Bandeira, Peregrino Júnior, Eneida, Pedro Nava, Rachel de Queiroz, Jorge Amado, o meu conterrâneo e amigo Josué Montello e tantos e tantos outros.
Mas da Rua México até a Rua Áurea do Odylo eu me afastei do assunto — as discussões da UDN, nas quais a política fervia. Por obra e graça da habilidade do então presidente Magalhães Pinto, o partido era conduzido em duas alas muito definidas: a radical de Carlos Lacerda e a macia dos mineiros. A primeira, intransigente e violenta contra Juscelino, e a outra contemporizadora, mesmo acusada de colaboracionista. Lacerda toda quarta fazia denúncias violentas do governo e pedia que o partido se pronunciasse.
Magalhães usava a técnica de contornar, dizendo: “A denúncia é grave. Designo uma comissão composta pelo deputado Carlos Lacerda, como presidente, Mário Martins — grande batalhador —, (…) com o prazo de 90 dias para analisar a denúncia e conduzir a posição udenista”; e assim abafava todas as acusações. Lacerda não aceitava e agredia o Magalhães. A discussão era árdua e rica. Nela tomavam parte Aluísio Alves, Virgílio Távora, Seixas Dória… A imprensa repercutia e alimentava o noticiário da semana.
De dois episódios me lembro bem, entre os muitos que presenciei. Seixas Dória, brilhante, idealista e baixinho, fora convidado por Leandro Maciel, velho chefe político, grande e alto, ambos candidatos a governador, a fazer uma campanha “alta”. Seixas retrucou: “Nada de campanha alta, quero baixa e digna.” Invocava seu tamanho para estabelecer a regra.
A UDN indicou Leandro Maciel como candidato a vice-presidente na chapa de Jânio Quadros, que logo implicou com ele e quis substituí-lo. Não se sabia qual a motivação que a UDN teria para retirá-lo da chapa. Discussão vai e vem e Virgílio Távora encerrou: “A questão é esta: ninguém ajuda; nosso candidato não tem dinheiro nem para pagar o hotel.”
E foi assim que foi aberta a vaga para Milton Campos!
— José Sarney é ex-presidente da República, ex-senador, ex-governador do Maranhão, ex-deputado, escritor da Academia Brasileira de Letras