Durante anos a onda da globalização avançou levando países a se concentrar mais naquilo que faziam melhor e mais barato e consumindo produtos e serviços de outros países que complementassem suas necessidades. Com isso se formaram as chamadas cadeias globais de valor para produtos industriais. Algumas percepções e alguns acontecimentos, porém, começaram a mudar esse entendimento. Tudo muda o tempo todo no mundo. A migração de fabricação de diversos produtos para países com mão de obra mais barata, principalmente para a China, chegou a tal ponto que provocou a percepção nos Estados Unidos e na Europa de que estavam perdendo a capacidade de inovação pelo distanciamento físico e de conhecimento sobre os processos de fabricação, embora mantivessem a capacidade de projeto.
Esse desconforto atingiu o eleitorado em regiões dos Estados Unidos com tradição industrial com o esvaziamento das suas fábricas, mas sem o nível de educação para assumir as atividades mais avançadas de tecnologia. A consequência foi a eleição de Trump, com base nesses estados e nessa insatisfação e o início da mudança de postura em relação às perdas de fábricas para outros países. Ainda mais que a China conseguiu, nesse tempo, se preparar para dar o salto para o domínio de tecnologia e projetos para praticamente todos os tipos de equipamentos e assim ameaçar a liderança tecnológica dos EUA no mundo.
As cadeias globais de valor, que dispersam componentes pelo mundo na fabricação de produtos iam bem até o acidente da usina nuclear de Fukushima, no Japão, quando se percebeu que muitos países dominavam tão completamente a produção de determinados componentes, que um acidente nesses países podia interromper toda uma cadeia global.
Esse entendimento aconteceu novamente, desta vez no setor de saúde, na pandemia, quando ficou claro que determinados países também concentravam a produção de todos os insumos necessários para vacinas, ameaçando as políticas nacionais de saúde.
Na volta dos lockdowns da pandemia, o engarrafamento geral da logística e a subida vertiginosa do preço de transporte de contêineres expuseram novamente essa vulnerabilidade de insumos básicos para muitas cadeias produtivas, acendendo outra luz vermelha nas verdades estabelecidas da globalização.
E agora a guerra na Ucrânia jogou o mesmo problema para a segurança alimentar e para a cadeia de produção agrícola pela forte dependência de fertilizantes e retornou com o problema do abastecimento de petróleo e gás. As discussões de política industrial, satanizadas por muito tempo com razão, pela perda de produtividade com protecionismos arcaicos, voltam com força, em todo o mundo com esses novos problemas. Mas deve-se evitar os exageros. É possível fazer acordos bilaterais para diversificar as fontes de insumos estratégicos, é possível fazer um “nearshoring”, trazendo produção para países próximos fisicamente, e é possível incentivar a produção local de insumos não na sua totalidade, mas em um nível que proporcione conforto em caso de alguma interrupção.
O exagero seria tentar fazer tudo dentro de casa, inclusive em cadeias não estratégicas, encarecendo custos e prejudicando a produtividade do país. Mas sem deixar de lembrar que vantagens comparativas não são destinos e podem ser criadas naquilo que interessar ao país, como fizeram com sucesso China, Taiwan, Coreia, Japão e Cingapura, e podemos aproveitar esse deslocamento geográfico mundial de fornecedores.
Enfim, tudo muda o tempo todo no mundo. Podemos criar nosso espaço.