Vendo agora a baita repecussão negativa da viagem que Jair Bolsonaro e sua comitiva fizeram aos Estados Unidos para a cerimônia de abertura da Assembleia-Geral das Nações Unidas, lembrei-me desse episódio.
Estamos em 1986, em Washington, a capital americana. Os presidentes do Brasil e dos Estados Unidos eram José Sarney e Ronald Reagan. A viagem do brasileiro era uma visita oficial, de negócios entre as duas nações e não o tradicional discurso na ONU. Eram tempos em que o mundo só se recordava de outra pandemia: a Gripe Espanhola, que igualmente agora com a Covid, tirou milhões de vidas humanas, no começo do Século XX.
O auge, digamos, do programa não ofical da visita foi um jantar em homenagem à comitiva brasileira, um show musical nos jardins da Casa Branca. Repare nas fotos: nenhuma das pessoas usava máscaras, artifício hoje número um para precaver-se do contágio do Coronavírus. E que, no caso agora de Jair Bolsonaro, resultou em grande problema, junto com a sua propaganda contra a vacinação.
A agenda dos presidentes José Sarney e Ronald Reagan em Washington era carregada de assuntos formais, relacionados à economia e negócios. O Brasil defendia uma política de reserva de mercado para seus equipamentos de informática e os Estados Unidos estabeleciam rigorosas taxas para importação de produtos brasileiros, barreiras comerciais etc. Esses temas, contudo, ficaram a cargo dos diplomatas e ministros dos dois países.
Aliás, a diplomacia brasileira naquela época era repleta de competentes embaixadores e embaixadoras. Roberto Abdenur, Vera Pedrosa, Paulo Tarso Flecha de Lima, Ronaldo Sardenberg, Luis Felipe Lampreia, Bernardo Pericás, Rubens Barbosa, Marcos Azambuja. Eram orgulho para a Casa de Rio Branco. Sem falar em João Augusto de Medicis, Rubens Ricúpero, Orlando Carbonar, Thereza Machado Quintella, Flávio Perri, Baena Soares, João Cabral de Melo Neto, só para citar entre tantos nomes que espelhavam o Itamarati e que me vêm à memória nesse momento.
A programação, porém, contemplou também momentos amenos. E um deles foi o jantar de gala na Casa Branca. Ao lado de dona Marly, Sarney teve uma recepção de Chefe-de-Estado, com direito a cerimonial com salva de tiros de canhão, desfile militar e, ainda, elogios de Ronald Reagan pela volta do regime democrático ao Brasil depois de 21 anos de governos militares.
O mais surpreendente foi um momento de descontração, no Rose Garden, o jardim que ficam na parte de trás da casa hoje ocupada pelo casal Joe e Jill Biden.
Na noite do dia 10, uma quarta feira, os jardins da Casa Branca ficaram iluminados para a festa carregada de requinte e surpresas, parte do cerimonial não oficial. As mulheres de vestido longo e salto alto, os homens de gravata borboleta, de smoking, o tradicional traje masculino para ocasiões desse gabarito. Para animar o ambiente, uma orquestra alternava rock, bossa nova e jazz.
Antes dos últimos brindes, a grande surpresa: o cantor Paul Anka – astro do rock nos anos 1960 e 70 – sobe ao palco e saúda os convidados com os hits “My Way” e “Oh, Carol”. Miss Nancy Reagan, a primeira-dama americana, fez questão de cumprimentá-lo e ouvir de mão dada a ele o maior sucesso do artista, “Diana”.
A observar a rara e inusitada cena, entre os ilustres presentes, estava um rei. Era Pelé, que fora estrela do New York Cosmos, convidado especial para a mesa de Mr. Reagan, o presidente norte-americano.
E foi da cadeira que me coube na mesa reservada aos jornalistas que fazíamos cobertura da viagem presidencial a Washington que fiz essas fotos aí.
Orlando Brito