O pronunciamento da última quarta-feira, 01, do ministro do STF (Supremo Tribunal Federal), Edson Fachin, falando em nome da Corte, sobre a importância de Rui Barbosa, quando transcorrido 100 anos de seu falecimento, é, na verdade, uma defesa da democracia, da liberdade, dos direitos civis e dos espaços de atuação do próprio Supremo, questionado nos últimos tempos por segmentos conservadores da sociedade brasileira.
Em um texto primoroso, com 42.428 caracteres, Fachin trata da dedicação de Rui Barbosa em garantir conquistas civilizatórias para sociedade civil, ainda hoje importantes e necessárias ao Brasil, sem falar de sua contribuição intelectual em assuntos econômicos, diplomáticos e na definição do papel do legislativo, executivo e judiciário. O pronunciamento de Fachin, no plenário da STF, reflete o pensamento da maioria dos ministros do STF, para quem é necessário defender e fortalecer as atribuições constitucionais da Corte Máxima do Brasil. A democracia e a liberdade, resume o ministro, são conquistas civilizatórias republicanas.
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Veja a seguir os principais trechos do pronunciamento de Edson Fachin:
“A memória cultivada nos permite haurir a atualidade de sua vigília pela democracia e pela liberdade. Inscreveu-se pela inspiração de Rui Barbosa , com letras de bronze, encravadas na parede de mármore, a fórmula verbal da tradição grega para que este Tribunal seja “guarda vigilante desta terra”.
“A concepção de Rui Barbosa moldou tanto a República quanto o Supremo tal como o conhecemos. Nada mais atual que RUI. Nesse tempo repleto de tentações arbitrárias e de tragédias, é necessário relembrar a figura central da fundação, no Brasil, da democracia liberal republicana, fio condutor desta oração, do legado e do desafio que entendo presente”.
“Está em RUI esse pensamento em suas respectivas teses básicas: a liberdade, a igualdade, a propriedade e a segurança; como sustenta Vicente de Paulo Barreto, dessa fonte jorram luzes para o Estado de Direito e suas liberdades reais, vale dizer, o direito à educação, à saúde, à habitação, ao transporte e à previdência”.
“A primeira advertência que dele emerge se dirige aos democratas de todos os matizes, na tarefa que lhes incumbe de colocar a democracia e o valor público acima de interesses pessoais ou partidários ou conjunturais”.
“Nada obstante, destina-se mais enfaticamente ainda a proclamação que se colhe de Rui Barbosa aos populistas autoritários e a todos que agem para solapar as bases da democracia, diluir a institucionalidade, eliminar o sistema de freios e contrapesos, enfim, suprimir mesmo a substância da representação”.
“A um democrata liberal como RUI isso equivaleria a um sismo político violentíssimo. Abater a democracia é aniquilar a liberdade. Somente dentro da democracia as próprias mazelas do regime democrático podem (e devem) ser enfrentadas, sobretudo os privilégios e as injustiças. Reinstalar o regime autoritário adicionaria ao já ruidoso e complexo canteiro de obras da democracia, um maremoto institucional sobre o Estado de Direito”.
“Por isso, o que ataca as instituições, é, por definição, antiliberal e antidemocrático, considerando que ressuscita cadáveres insepultos dos totalitarismos do século XX. Mais ainda: iliberal e despótico, tenciona se apropriar de democracias fragilizadas por crises sociais, econômicas, políticas e sanitárias, por debilidades institucionais e pela corrupção. Exatamente por isso RUI é, presentemente, mais notável que nunca, porquanto o futuro da democracia está em jogo. O futuro dos direitos humanos e fundamentais está em jogo”.
“Liberdade e razão foram os pilares do humanismo em Rui Barbosa, em sua busca de soluções para a crise de legitimidade que levou à queda o Império e ao abalo a República. As respostas, para ele, estavam no Estado como instituição política moderna e na liberdade como nevrálgica para a questão democrática”.
“A missão que ele evoca insta obras e labor, pois não se pode deixar ao largo a crise de legitimidade insuflada sobre as bases da República constituída em 1988”.
“Afinal, disse RUI: ‘ao trabalho nada é impossível’. Também ele não se esquivou do trabalho”.
“Exerceu, como é de amplo conhecimento, funções tão numerosas quanto diversas: advogado, político, deputado provincial, deputado geral, senador, ministro de Estado, mais de uma vez candidato à Presidência, diplomata, escritor, filólogo, sobretudo, jurista. Experiente e experimentado nos embates da tribuna e na redação de projetos de comissões técnicas do Parlamento, exerceu, também, o ofício de jornalista. Exerceu o múnus com a convicção de que não há liberdade nem democracia sem imprensa livre e independente”.
“Nascido em 1849, teve o centenário de seu nascimento lembrado em indelével oração do Ministro Laudo de Camargo proferida por ocasião dos festejos daquela passagem”.
“Soube cumprir a vida: não se fez alheio a quem era destinatário de sua admiração, como Machado de Assis; elevou-se a defensor, em âmbito nacional e internacional, das ideias liberais, da igualdade e dos direitos. Nasceu para não se encapsular. Disso atestado se tem ao ler e reler suas Cartas da Inglaterra”.
“Qualificá-lo como polímata tornou-se lugar-comum, pois detinha habilidades em campos diversos, nas artes, nas ciências, na literatura, inclusive na poesia. Do campo jurídico seu conhecimento era vasto, inclusive no direito penal”.
“Pessoa desabrida, crítico, cultivava intrepidez e destemor necessários para não servir a interesses de ocasião; erudito, sim, mas não se escondia atrás de uma estampa que se presta a ilustrar a cultura de verniz ou enciclopedismo vazio. É um equívoco nele ver o apuro da linguagem como exercício retórico oco em torno do projeto do Código Civil de 1916”.
“Sua eloquência não é datée, porquanto é a irmã siamesa de sua prática por meio da qual defendia intransigentemente que a democracia não é apenas um regime político e sim um modo de construção da sociedade. A sua obra é densa e versada no acesso às fontes, como por exemplo, as decisões que conformavam o direito norte-americano”.
“Republicano convicto, consistiu em figura de destaque no processo de construção do Texto de 1891. Mesmo depois da República já instaurada, o jurista se manteve firme na defesa dessa forma de governo, não obstante as recaídas autoritárias”.
“As virtudes todas que o caracterizaram foram sempre exercidas com vigor. Ele pugnou por seus ideais. Travou batalhas pela abolição da escravatura, que qualificava como abominação. Em 1888, finalmente, com irreparável atraso, decretou-se, embora – e ainda – somente no papel, o fim da escravidão no Brasil”.
“Introduzido com a promulgação da Lei Saraiva, o voto direto também frequentou as pelejas por ele travadas. Tornou-se, ainda enquanto deputado pela então Província da Bahia, um veemente defensor das eleições diretas. A reforma do ensino, a separação entre Estado e Igreja, a própria Proclamação da República, o federalismo, todos esses foram princípios pelos quais ele dedicou suas forças intelectuais”.
“A história e os historiadores nos contam que, diante da desumanidade, muito antes de Émile Zola, esteve ele o primeiro a defender o Capitão Alfred Dreyfus, iniquamente acusado e condenado”.
“A falta de igualdade entre homens e mulheres – outra forma inaceitável de injustiça – também estava dentre suas preocupações. Pronunciou-se, assim, a favor de uma candidata ao cargo de diplomata do Brasil, no ano de 1918. A sua defesa pungente garantiu a Maria José de Castro o direito de ser admitida no concurso e tornar-se diplomata”.
“RUI já havia se manifestado a favor do voto feminino, para que fosse incluído na Constituição. O direito ao voto das mulheres, porém, somente viria a ser assegurado, com intolerável demora, em 1932, por meio do Decreto 21.076 de criação da Justiça Eleitoral brasileira, cuja história vale um serviço de extraordinária importância para a democracia”.
“Representou o País na Segunda Conferência Internacional de Paz em Haia, no ano de 1907. Naquela ocasião, defendeu diversos princípios que se tornaram fundamentais para as relações internacionais. Sua inapagável contribuição está muito bem registrada entre nós, tanto na obra do embaixador Carlos Henrique Cardim ao salientar a autoridade de RUI para a política externa e política internacional do Brasil, quanto no discurso pronunciado por Barata Ribeiro, então já no Senado Federal, em homenagem a Rui Barbosa”.
“Estudioso da língua portuguesa, RUI integrou como membro fundador a Academia Brasileira de Letras. À frente da presidência da ABL esteve até 1919”.
“Todos os juristas brasileiros, especialmente os estudantes e estudiosos do Direito Civil, bem conhecem temas controvertidos em RUI, como a defesa da posse de direitos pessoais, e a polêmica filológica e jurídica entre RUI e Carneiro Ribeiro a partir do anteprojeto de Bevilaqua para o que veio a tornar-se Código em 1916”.
“Ao lado do próprio Machado de Assis e de Joaquim Nabuco, foi uma figura histórica de inestimável importância para a construção – ainda em curso – da civilização brasileira; ressalto ainda em curso eis que não se pode, impunemente, denominar-se civilizada uma sociedade e um Estado que placitam práticas de extermínio contra seus habitantes originários, que fomentam extremismos, que instigam à hostilidade, contaminando as relações sociais”.
“RUI e seus contemporâneos intelectuais foram grandes vultos do oitocentismo e deixaram entre nós, como legado, as instituições pelas quais dedicaram suas vocações em defesa da liberdade, de uma República sem castas nem privilégios, e de uma sociedade livre, aberta e plural, na convivência dos diferentes e no respeito ao dissenso”.
“No caso brasileiro do tempo corrente, a chave de leitura desse contexto está na dúplice implicação que a lei fundamental vigente (a Constituição de 1988) carrega consigo: de um lado, a restauração da democracia aberta à participação popular, via representação ou atuação direta; de outra parte, a Constituição brasileira como a base constitucional da democracia traduz o compromisso com o futuro, com uma “sociedade livre, justa e solidária”, portanto com a transformação de um cenário social, econômico e cultural marcado por injustiça, desigualdade e discriminação”.
“Disse RUI, em excerto de discurso de 1915, citado por Vossa Excelência, Senhora Ministra Presidente, no pronunciamento de posse que, pela relevância ímpar, peço licença para repetir”:
“O Supremo Tribunal Federal é esta instituição criada sobretudo para servir de dique, de barreira e de freio às maiorias parlamentares, para conter as expansões do espírito do partido. É essa força que diz – até aqui permite a Constituição que vás; daqui não permite a Constituição que passes. Eis para o se criou o Supremo Tribunal Federal, que não têm empregos para dar, nem tem tesouros para comprar dedicações, não tem soldados para invadir estados, não tem meios de firmar a sua autoridade senão no acerto de suas sentenças”.
“A história da instituição que presentamos confunde-se com a trajetória de Rui Barbosa”.
“O patrono do Senado brasileiro, do Tribunal de Contas da União e dos advogados brasileiros, não integrou como Ministro este Tribunal; mas fez, desta Casa, o sacrário da Constituição. E o fez como homem público, jurisconsulto e advogado, formulador da ‘célebre campanha do Habeas Corpus em defesa dos direitos individuais (…)’ “.
“Os ecos ainda retinem do julgamento em 1898, do HC 1.073, que reconheceu a plena cognoscibilidade, pelo Judiciário, de atos lesivos a direitos fundados no texto da Constituição, mesmo que praticados na vigência do estado de sítio”.
“Como artífice da Constituição, deu ao Supremo a guarda da hermenêutica, foi ele quem o fez como veto permanente aos sofismas opressores da Razão de Estado, quem resumiu-lhe a função específica nesta ideia. A denominação conferida ao Tribunal pela letra constitucional de 1891, Supremo Tribunal Federal – em substituição ao Supremo Tribunal de Justiça do Império – surge pela primeira vez no Projeto de Constituição que se publicou com o Decreto n.º 510, de 22 de junho de 1890 e que seria, quatro meses depois, submetido, com poucas alterações, ao Congresso Constituinte. No art. 53, previam-se as atribuições do novo Tribunal, dentre as quais, o de fazer o controle de constitucionalidade das leis”.
“A advocacia de RUI no Supremo, desde o início da instituição, sob os ventos da República, contou com o prestígio que ele havia adquirido como artesão do projeto que o Congresso Constituinte promulgou em 24 de fevereiro. Afinal, além de ex-ministro da Fazenda, foi vice-chefe do Governo Provisório, sendo que o patrono da advocacia também atuava com a sapiência de quem havia sido parlamentar, como o fez nas disputas de limites territoriais interestaduais, com critérios que, embora controversos, entendia ser de justiça e de equidade”.
“As novas atribuições conferidas à magistratura demandavam exercício pleno, prestigiado, imparcial e independente, como deve ser, como sempre foi, e sempre será crucial para o Brasil. Introduziu, assim, no Direito Brasileiro, o tema do controle de constitucionalidade e, por conseguinte, a necessidade de verificar a compatibilidade das normas jurídicas e dos atos administrativos com a Constituição, para o efeito de, no caso concreto, recusar aplicação às normas e aos atos violadores de textos constitucionais”.
“Urgia conduzir o Tribunal para o desempenho de sua função primordial: examinar a constitucionalidade dos atos do Congresso e do Executivo, ser o guardião da Constituição e a fortaleza dos direitos e garantias individuais. Entre avanços e retrocessos, a sua campanha pela legalidade constitucional colheu frutos”.
“Marco desta empreitada é a Questão proposta em 1905; tratava-se de ação de reivindicação territorial movida em face da União. Naquele caso, sem embargo da questão em si e da defesa dos interesses da parte, retomou-se o tema do controle de constitucionalidade das leis pelo Poder Judiciário e de RUI adveio o verbo que, por primeiro, no Brasil, expôs o tema de forma minuciosa”.
“RUI almejava para o Supremo Tribunal Federal da República o desempenho de função própria à proficiência constitucional dessa judicatura. Para tanto, pretendia demarcar a legítima fronteira da ação legislativa e da ação governamental, e para tanto se deteve no acurado exame de acórdãos históricos da Suprema Corte norte-americana”.
“A partir daquela atuação, ele fez, desde o lócus de uma causa, com que o Supremo assumisse sua posição, o que conquistou, palmo a palmo, por sua briosa acuidade. Somos sucessores dessa história e por ela, diuturnamente, devemos responder”.
“As décadas iniciais da República, ou seja, as duas primeiras décadas do regime de supremacia da Constituição, guardam rica experiência a revelar que moveu o Tribunal a encontrar o caminho que lhe estava marcado no mecanismo das novas instituições nascidas com os ventos republicanos”.
“Estimulou o Tribunal ao exercício dos poderes que a Constituição lhe dera, de rejeitar todo efeito às leis e atos executivos inconstitucionais. Este Supremo até hoje vem desenvolvendo longa marcha por esta senda. Caminho este, aliás, que, com o tempo, teve no passado diversas alternativas de erro e acerto, ora alegrando, ora amargurando o defensor de suas prerrogativas”.
“Os dias de hoje, contado este século transcorrido desde 1923, sem a presença física de RUI, mas com a presença e influência permanente e inafastável de suas ideias, trazem provocações robustecidas pela complexidade, marcadamente diante de processos e ações estruturais em sede de controle concentrado de constitucionalidade, decorrentes especialmente do défice democrático e da ausência de políticas públicas protetivas dos direitos humanos e fundamentais”.
“Reitero, em especial nesta ocasião, a defesa irrestrita de Rui Barbosa pela liberdade de ensino. Enquanto a Carta de 1824 declarava a religião católica como religião oficial do Império, ele defendia a laicidade. O Estado – asseverou – não podia patrocinar dogmas, e nem a ciência podia estar cingida a crenças que retirassem a sua autonomia. Com efeito, a fé na ciência é o respeito ao rigor científico, e não afronta o direito de ser o que cada um é ou de professar suas crenças. Para ele, a ‘liberdade era o maior dos direitos humanos”’; se opôs a todas as formas de poder autoritário, no ‘início combatendo a Monarquia, depois a ditadura militar e enfim as oligarquias reacionárias’ “.
“Estadista inconfundível, defendia ferrenhamente a federação e a República em tempos de Brasil Imperial. Era teórico do federalismo, combatendo os ultrafederalistas. Com uma espantosa contemporaneidade, dizia: ‘Não vejamos na União uma potência isolada no centro, mas o resultante das forças associadas discriminando-se equilibradamente até as extremidades’ “.
“Rumou no caminho da defesa dos direitos sociais. Grifou que as Constituições deveriam abrigar a eclosão de novos direitos, quais sejam, direito de habitação, horário de trabalho digno, equiparação salarial entre homens e mulheres. Atentou para a tragédia do trabalho infantil e das condições insalubres. Não se omitiu frente à “escravidão por dívidas”, condenando os armazéns de venda que prendiam o trabalhador ao labor por meio de dívidas impagáveis”.
“As exemplificações de sua cultura, dos valores que defendeu em vida e do trabalho que resultou no legado institucional que é perene, dão mostra quantum satis deste vulto deveras dadivoso”.
“Acoplou harmoniosamente e com invejável destreza sua produção teórica à atuação pública, jurídica e política, sem deixar qualquer dos lados em desprestígio”.
“Dito isso, encaminho-me para a conclusão”.
“Inexiste aqui, neste elogio de celebração, a defesa de uma natureza humana imune ao erro ou à crítica. Anote-se, por exemplo, o denominado “encilhamento”, política econômica levada a cabo na República Velha. Ao arrear o cavalo da economia, intentando prepará-lo para a corrida do desenvolvimento, desencadeou seríssima crise política e institucional, bem descrita no romance homônimo de Visconde de Taunay. Ao homem de convicções tenazes e irremovíveis, escreveu Homero Pires em 1933: “Não há assim nada, que tenha saído da pena de Ruy Barbosa, e que possa sem falta ser posto à margem, ainda quando com a sua não se conforme a nossa opinião’ “.
“Não nos olvidemos: civilista foi entre 1909 e 1910 o chamado de Rui Barbosa e de seu grupo político em defesa da liberdade e do direito, contra um militarismo renascente que caminhava no sentido de dissimular o arbítrio sob a forma republican. Renova-se, a partir de RUI, uma questão central: a plena submissão do poder castrense ao poder civil, e somente a este, ao poder civil, é legítimo atuar no processo político e eleitoral. Protagonista da primeira campanha eleitoral modern, essas foram as suas promessas: defender as liberdades mais elementares, jamais intervir nos tribunais, jamais decretar estado de sítio ou manipular o resultado de qualquer eleição. Foi o que defendeu Rui Barbosa na campanha civilista, se erguendo contra os caudilhos de facções ambiciosas”.
“É sempre imprescindível reiterar, cada vez mais, que a realidade eclipsada tem sido marca da contemporaneidade: a ilusão fabricada e o rapto dos fatos, sequestrados pelos véus da desinformação como método de propagação de uma nova linguagem”.
“Esse estado de espírito armado se compraz a reescrever a relação entre poder e religião, cultura e realidade, isto é, cobiça dominar até mesmo todos os sentidos da palavra de Deus, profanando-a, a palavra da ciência, negando-a, e a palavra da política, reduzindo-a a mero joguete de favores entre testas coroadas, vício esse do qual, aliás, nenhum governo está a salvo, qualquer seja o espectro político-ideológico de seu ideário”.
“O desafio de hoje, centenário do seu falecimento, à luz do motivo condutor de Rui Barbosa e do estado de espírito desarmado que ele espraia para a estação dos dias correntes, parece-me ser este: resgatar a tradição republicana e impessoal de construção de instituições. Enquanto elas forem alvo de captura ou enquanto forem sujeitas a práticas sub-reptícias, informais, não transparentes, precisaremos defendê-las como fez RUI e como almejou o projeto republicano”.
“Nossos compromissos estão inscritos no mármore que faz cintilar o átrio deste Tribunal. Que saibamos honrar essa fidúcia constitucional com a valorização da convicção colegiada. Que saibamos intimoratos arrostar a pungente marca física do ataque bárbaro que deixou sequelas em seu próprio busto”.
“Estamos hoje mais próximos a RUI, quer pelos deveres cumpridos, quer pelas obrigações a adimplir. Guiado pela sua vigilante memória, este Tribunal não se dobrará nem a democracia cederá”.