Retomo o tema do artigo anterior, relativo ao Fundo Partidário e ao Fundo de Financiamento de Campanha.
Honra, honestidade, pudor, nada importa. Basta conhecer as fórmulas lícitas ou ilícitas, de acumular fortuna. A construção de Brasília, para substituir o Rio de Janeiro como sede da República, exigiu dinheiro que não havia do país pobre e subdesenvolvido. Dinheiro para a majestosa construção e transferência das máquinas administrativas, legislativas e judiciárias para a nova capital. Foi, então, liberada a inflação. O dinheiro se desvalorizou, se multiplicou e foi parar nos bolsos dos ladinos.
Inaugurava-se a idade das despesas perdulárias. Nunca mais o Brasil se reencontrou com a austeridade no gasto do dinheiro público. Tendo as massas populares afastadas e mantidas à distância, todos os exageros puderam ser cometidos, até chegarmos à Constituição de 1988 que, por debaixo do palavreado bonito, porém vazio, acolheu a corrupção e aprofundou as diversidades sociais, políticas e econômicas.
A instituição do Fundo Partidário pela Lei nº 4.740, de 15/7/1965, aprovada no breve governo do presidente Castelo Branco (15/4/1964-15/3/1967), seria, anos depois, completada com a criação do Fundo de Financiamento de Campanha pela Lei nº 12.487, de 6/10/2017, sancionada pelo presidente Michel Temer.
O Fundo Partidário nasceu com o objetivo de transferir dinheiro do Tesouro Nacional à Aliança Democrática Nacional (Arena) e ao Movimento Democrático Brasileiro (MDB). Com a dissolução dos partidos tradicionais, pelo Ato Institucional nº 2, o regime militar sentiu-se obrigado a criar e sustentar, com recursos públicos, duas organizações de aparência partidária. Tentava-se imprimir falsa imagem de democracia, ao País governado discricionariamente pelas Forças Armadas.
Com recursos do Fundo, Arena e MDB se empenharam em gerar a ilusão de regime democrático. A Lei nº 9.096, de 19/9/1995, sancionada no governo do presidente Fernando Henrique, redefiniu os partidos como pessoas jurídicas de direito privado e ordenou, no art. 38, IV, que o Fundo passasse a receber “dotações orçamentárias da União em valor nunca inferior, a cada ano, ao número de eleitores inscritos em 31 de dezembro do ano anterior ao da proposta orçamentária, multiplicados por trinta e cinco centavos de real, em valores de 1995”. Como foi calculado esse valor? Não se sabe.
Estava descoberto o caminho das Índias. Aquinhoados com dinheiro do Tesouro Nacional, os partidos políticos foram incluídos na lei orçamentária. Para receber dinheiro, nenhum esforço seria necessário. Veja-se a redação do art. 40, parágrafo primeiro: “O Tesouro Nacional depositará, mensalmente, os duodécimos no Banco do Brasil, em conta especial à disposição do Tribunal Superior Eleitoral”.
Não há nada mais atraente do que ser presidente nacional de partido. Em 2022, para a União Brasil o Tesouro destinou R$ 770 milhões. Ao PT, R$ 484 milhões. Ao MDB, R$ 356 milhões. Ao PP, R$ 338,5 milhões. Ao PSD, R$ 334 milhões. Ao PSDB, R$ 314 milhões. Quantas empresas conseguem realizar, em um ano, lucro líquido de R$ 112 milhões, doados ao PTB, ou R$ 110 milhões destinados ao Solidariedade?
Segundo o Código Civil (Lei nº 10.406/2002, art. 44) partidos políticos são pessoas jurídicas de direito privado, ao lado das associações, sociedades, fundações, associações religiosas. Assim também o diz a Lei nº 9.096, de 19/9/1995. Dinheiro público deve se destinar às despesas obrigatórias da União, dos Estados, Distrito Federal, Municípios e demais entidades de caráter público criadas por lei. A não ser assim, poder-se-ia permitir a instituição de Fundo de Financiamento para associações religiosas e sindicatos.
São duas as profissões mais rendosas no Brasil de hoje: dirigentes de partidos políticos e pastores e bispos de seitas radiofônicas e televisivas, de aparência religiosa. Vivem de dinheiro fácil, isento de impostos, com ampla liberdade para gastar. Para os partidos, o dinheiro vem do Tesouro. Para modernas igrejas neopentecostais, do povo ingênuo, a quem são propostos milagres mediante prévio pagamento.
– Almir Pazzianotto Pinto é Advogado. Foi Ministro do Trabalho e presidente do Tribunal Superior do Trabalho.