A psicologia deve ter recursos para explicar a incontida admiração do presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, por países como Venezuela, Cuba, Nicarágua, e outras ditaduras latino-americanas. O fascínio assume tal proporção que os adota como modelos de governo.
Quem acompanhou a trajetória política de Lula, iniciada em 1975, ao assumir a presidência do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo e Diadema, deve ter constatado a visão míope que nutre do processo econômico, da ideologia liberal, do comércio internacional, do regime de livre iniciativa, tudo empacotado e reduzido ao assistencialismo e à questão sindical.
A indústria implantada no ABC gerou novo tipo de operário e deu à luz sindicalismo atuante, com pretensões de independência. Recusava o peleguismo, embora mantivesse boas relações com o Partido Comunista Brasileiro de perfil stalinista. O sindicalismo patronal, domesticado segundo o modelo corporativo-fascista da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), não era afeito à negociação. Atuava controlado pelo Ministério do Trabalho. Para solucionar conflitos coletivos, recorria à Justiça do Trabalho, fonte de decisões de conteúdo normativo, destinadas a preencher lacunas da CLT.
Para se distinguir do peleguismo, a nova geração de dirigentes, nascida no interior da indústria automotiva, adotou o grevismo como única forma de luta. As greves de 1978, 1979 e 1980, iniciadas no ABCD, demarcaram novo e belicoso terreno. Deram início à período caracterizado pela banalização da greve, sob o mantra “trabalhador unido, jamais será vencido”. O dirigente que não liderasse paralisação coletiva sentia-se diminuído, e era apontado como pelego. Os reflexos no segmento industrial automobilístico logo se fizeram sentir. O crescimento se desacelera, exatamente quando o Japão – destruído na 2ª Guerra Mundial (1939-1945) – e a emergente Coréia do Sul, passam a conquistar prestígio no plano internacional. A produção brasileira iniciada em 1957, após alcançar volume razoável que lhe permitia exportar, começou a perder velocidade. A surpreendente China, que até 1985 rezava pelo Livro Vermelho de Mao-Tse-Tung, em três décadas evoluiu à posição de potência exportadora de industrializados.
Vários fatores colaboram para a estagnação industrial generalizada: o irracional sistema tributário desenhado pela Constituição de 1988; barreiras alfandegárias erguidas para proteger a ineficiência tupiniquim; os elevados custos demandados pela importação da tecnologia da informação; a baixa produtividade do operário; a extrema litigiosidade; a morosidade e imprevisibilidade das decisões dos tribunais; a confusão gerada por incessantes reformas constitucionais; a corrupção; a ineficiente e onerosa burocracia estatal.
Incapaz de entender os caminhos do desenvolvimento fundado no trabalho, Lula fez a opção pelo assistencialismo. Não poderia ter sido diferente. De família numerosa e pobre, conheceu os rigores da fome e da falta de escola. Eurídice Ferreira de Melo, conhecida como Dona Lindu, abandonada pelo marido, operou milagres na pequena Caetés, para conseguir sustentar oito filhos menores. O único curso regular que Lula frequentou, além do primário, foi o do Senai, onde se formou auxiliar de torneiro mecânico, profissão que lhe permitiu encontrar emprego.
Contaminado pelo maniqueísmo, a estrutura sindical preservada por Lula está decadente. O fenômeno, constatado pela Organização Internacional do Trabalho (OIT), é universal. A massa proletária do chão de fábrica abre lugar ao profissional especializado e bem remunerado, exigido pela informatização.
A análise das desigualdades nos faz perguntar os motivos de alguns povos serem ricos, como Japão, Canadá, Coréia do Sul, Suíça, e outros pobres. É a pergunta que sempre se faz. O Brasil não é rico, mas subdesenvolvido, atrasado e pobre. Para alcançar o desenvolvimento sustentável, há necessidade de planejamento, constância, força de vontade, trabalho, virtudes que Brasília, a cabeça da República, aparentemente desconhece.
Em seu terceiro mandato, Lula deve estar consciente das responsabilidades que carrega. O povo sofrido e esquecido espera pelo melhor, e terá todo o direito de cobrar.
– Almir Pazzianotto Pinto é Advogado. Foi Ministro do Trabalho e presidente do Tribunal Superior do Trabalho. O Estado, 20/2/2023, pág. A4.