Quando a maré é ruim é sinal de que ainda pode piorar. Antes de chegar ao poder com Lula, o PT sempre contestou suas derrotas nas urnas. Nas duas vitórias de Fernando Henrique, o “Fora FHC” atropelou até os 100 dias da trégua tácita que se convencionou chamar de Lua de Mel. Durante seus governos, quando acuados, os petistas reagiam com o argumento de que o êxito eleitoral blindava suas administrações, inclusive contra denúncias de corrupção.
Foi assim que a vitória nas eleições de 2014 embalou o enredo, repetido à exaustão aqui e mundo afora, de que o impeachment de Dilma Rousseff — apesar de seguir todo o processo legal, com fiscalização passo a passo pelo STF — seria um “golpe” contra a vontade expressa do eleitorado. Essa narrativa — com novos adendos a cada frustração do partido — virou um enorme sucesso na militância e entre os devotos de Lula, mas não conseguiu convencer a população nas campanhas eleitorais de 2016 e 2018.
É justamente aí que mora o dilema petista. Se a vontade popular é o critério da verdade, até a ascensão de Jair Bolsonaro ao poder tem de ser respeitada, sob pena de o PT também passar por golpista. Daí a ginástica verbal para justificar a decisão de não comparecer à sessão solene do Congresso Nacional que empossará Jair Bolsonaro e seu vice Hamilton Mourão, um gesto de civilidade política em uma cerimônia protocolar.
O PT, portanto, nem precisava de maiores justificativas para a sua ausência. Se quisesse lhe dar algum peso político, o partido poderia ter alegado a injustificável descortesia diplomática de desconvidar Cuba, Venezuela e Nicarágua, países amigos sob comando de dirigentes historicamente ligados ao PT. Era uma maneira de pôr em foco a caótica política externa bancada pelo clã Bolsonaro.
Diferente dos aliados PSOL e PC do B que anunciaram o boicote sem maiores delongas, os petistas optaram por dar uma longa explicação no comunicado assinado por Gleisi Hoffmann, Lindbergh Farias e Paulo Pimenta. Só conseguiram expressar sua dificuldade em conciliar na mesma narrativa o respeito ao resultado das urnas em uma eleição cuja legitimidade põem em dúvida. O segundo parágrafo é um retrato preciso disso:
“Participamos das eleições presidenciais no pressuposto de que o resultado das urnas deve ser respeitado, como sempre fizemos desde 1989, vencendo ou não. Mantemos o compromisso histórico com o voto popular, mas isso não nos impede de denunciar que a lisura do processo eleitoral de 2018 foi descaracterizada pelo golpe do impeachment, pela proibição ilegal da candidatura do ex-presidente Lula e pela manipulação criminosa das redes sociais para difundir mentiras contra o candidato Fernando Haddad”.
Em vez de gesto efetivo de oposição, ficou apenas com cara de chororô.
Mais um.