Quando não pode usar o seu habitual pão pão, queijo queijo, o presidente Jair Bolsonaro costuma recorrer a artifícios às vezes primários para dar seu recado. Desde a semana passada, ele vinha se coçando para se escalar na linha de frente no novo confronto de Donald Trump com os aiatolás do Irã. Teve que se conter depois que, no fim de semana, uma apressada nota do Itamaraty causou mal-estar em Teerã e preocupação em Brasília.
Seu ímpeto esbarrou na única força capaz até aqui de segurar seus arroubos em política externa, estimulados por filhos e pelo guru Olavo de Carvalho: a aliança tática entre os interesses do agronegócio e o pragmatismo dos chefes militares. Antes do Irã, essa parceria mudou a prosa bolsonarista em relação à China e evitou um conflito com os países árabes com a inusitada transferência da Embaixada do Brasil em Israel para Jerusalém.
No começo da tarde dessa quarta-feira (8), durante cerca de 8 minutos, retransmitiu ao vivo em sua página no Facebook o pronunciamento de Trump sobre o ataque de mísseis iranianos a duas bases militares americanas no Iraque. Pela ótica mais favorável, soou como uma travessura de quem não pôde dar um apoio aberto a essa nova aventura de Trump. “Muitos acham que o Brasil deve ser omitir no tocante aos acontecimentos. Queria dizer apenas uma coisa” e passou a criticar, com números errados, a ida do ex-presidente Lula ao Irã, dez anos atrás, quando tentou intermediar, sem sucesso, um acordo nuclear do Irã com os países membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU. Foi um momento de exacerbação do ego de Lula, que atribuiu o fracasso do entendimento ao ciúme de Barack Obama.
Depois de usado por Bolsonaro como uma escada para um apoio enrustido ao presidente americano, que autorizou o assassinato do mais importante general iraniano, Lula acertou na mosca em manifestação nas redes sociais: “Na relação internacional sempre são dois interesses: o seu e o do outro. Você tem que sempre equilibrar o deles com o seu. O Bolsonaro não faz a menor questão de não ser um lambe-botas do Trump”.
Tudo indica que a política externa, com seus desdobramentos comerciais, vai continuar sendo uma área de atrito dentro do governo. Nem nas especulações sobre trocas ministeriais, o ministro Ernesto Araujo, partidário do alinhamento automático com Trump, parece ameaçado.
A conferir