Às vésperas de uma provável derrota eleitoral, o presidente argentino, Mauricio Macri, fez hoje um discurso de autocrítica. Pode ser tardio, diante do resultado das primárias que deram a seu opositor, o peronista Alberto Fernandéz, que tem como vice a ex-presidente Cristina Kirchner, uma vantagem de 47% contra 32%. Eleito para tirar a Argentina do atoleiro com reformas liberais, Macri confessou que chegou à Casa Rosada acreditando que seria mais fácil. Diante da realidade da pobreza, contou que pensou nas soluções com cabeça de engenheiro, sua formação — começar pela construção de bases sólidas. Mas capitulou: disse ter hoje a consciência de que a dureza do cotidiano se mostrou “uma exigência exaustiva” para muitos argentinos. E anunciou medidas de alívio nos impostos, congelamento do preço da gasolina e aumento do salário mínimo.
O reconhecimento público do presidente argentino de que deixou em segundo plano as urgências de um país em que a pobreza atinge fortemente 32% da população, ainda que soe populista e eleitoreiro a essa altura, alerta para uma realidade que vai além das disputas políticas — sem cuidar da sobrevivência, não haverá dinamismo econômico de médio ou longo prazo capaz de florescer. Na Argentina, no Brasil ou em qualquer país com essa realidade.
Nos últimos sete meses, o governo Jair Bolsonaro e o novo Congresso elegeram como prioridade reformas estruturais, com destaque para a da Previdência. A mudança no sistema de aposentadorias foi apresentada ao país como solução mágica: depois de aprovada, os investidores apostariam no Brasil, seriam criados empregos e viriam tempos de prosperidade. Hoje, todos sabem que não é bem assim. São medidas necessárias, mas com efeitos de médio e longo prazo; não dialogam com a urgência de quem não tem o que comer. A experiência argentina sugere, no mínimo uma revisão de rota. Ainda na década de 80, Betinho ensinou: “Quem tem fome, tem pressa.”