Se o áudio foi editado, Temer poderia nos contar o que ficou de fora

Há um problema na insistência do presidente Michel Temer na tese de que houve edição no áudio entregue pelo dono da Friboi, Joesley Batista, na sua delação premiada. Se o áudio foi editado, o que, então, de relevante, ficou de fora? Se o áudio foi editado, por que, então, o presidente não nos conta que trechos da sua conversa com o açougueiro milionário foram retirados para que ele fosse incriminado? O que o presidente disse na ocasião a Joesley que ele agora poderia usar em sua defesa? Há algum trecho editado que demoliria a tese da acusação caso viesse a ser divulgado?

Porque, até agora, tudo o que o presidente tem dito sobre a conversa que teve com Joesley Batista – especialmente na entrevista que concedeu à Folha de S. Paulo, publicada na segunda-feira (22) – só corrobora o que está no áudio. Primeiro, logo se percebe pela conversa que o dono da Friboi entrou no Palácio do Jaburu pela garagem sem se identificar. E que Temer recomendou a ele que, caso necessário, se identificasse com o nome de “Rodrigo”. Segundo o próprio Temer, foi assim mesmo que aconteceu. De acordo com o presidente, ele costuma receber pessoas fora do seu horário de expediente. Talvez, admite, devesse “tomar mais cuidado”.

O trecho mais controverso da conversa já era controverso desde o início, tendo havido ou não edição. A conversa tornada pública não deixa muito claro se Temer, de fato, dava aval ou não ao pagamento de uma mesada ao ex-deputado Eduardo Cunha e ao operador do PMDB Lúcio Funaro para que os dois ficassem calados. A frase “Tem que manter isso, viu?” aparece depois de Joesley dizer: “O que mais ou menos eu dei conta de fazer até agora, tô de bem com o Eduardo”.  Depois da famosa resposta de Temer, Joesley emenda: “Todo mês também”. Não há, portanto, nenhum trecho que fale claramente em pagamento de mesada a um ou outro.

Mas foi somando esse trecho a alguns outros elementos de convicção que o ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), achou que havia elementos para autorizar uma investigação sobre Temer. Falta o quê aí? Aparentemente, nesse ponto, segundo inclusive as perícias, não falta nada.

Em outro trecho, Joesley conta a Temer que estaria segurando juízes e obtendo informações de um procurador da Operação Lava-Jato a troco de dinheiro. Segundo diz o próprio Temer, o dono da Friboi lhe contou isso mesmo. E Temer não reagiu porque teria concluído que não passava de fanfarronice do empresário. Novamente, não há nada aí que eventualmente tenha sido editado que desarme ou atenue a acusação.

Temer indicou o deputado afastado Rodrigo Roucha Loures (PMDB-PR) para funcionar como uma espécie de intermediador com Joesley, como consta do áudio? Segundo Temer, indicou mesmo. Para “matérias administrativas”. E, depois, Rocha Loures foi flagrado recebendo uma mala de dinheiro. Sobre o Conselho Administrativo de Defesa Econômica, conversou-se? Conversou-se, admite Temer. Mas a questão “não foi resolvida”.

Ou seja, editada ou não, tudo o que consta de acusação grave na conversa é corroborado pelo presidente. Ele não nega, ele dá explicações para o que disse. Mas até agora não afirmou que não disse. Ou que houve distorção no que ele disse por conta da suposta edição do áudio. Ou que algo que efetivamente disse foi retirado da gravação para comprometê-lo.

Trata-se de uma defesa de advogado. Que tenta invalidar a prova. Pode funcionar no tribunal. Mas Temer é presidente da República. A sustentação do seu governo depende de convencimento político, e não somente de convencimento jurídico.

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