Renan é o PMDB sendo PMDB…

Michel Temer e Renan Calheiros.

O que talvez ninguém imaginasse era que o PMDB tão rapidamente viesse a agir como PMDB contra um governo do próprio PMDB. É certamente fruto da Operação Lava-Jato e das demais ações semelhantes da Justiça, do Ministério Público e da Polícia Federal, que deixam seus alvos com a água batendo acima do pescoço e cada vez mais desesperados. E um dos mais proeminentes alvos neste momento é o senador Renan Calheiros (PMDB-AL). Converso aqui um pouco com o artigo de Andrei Meireles tendo também Renan como tema.

A atuação de Renan faz associar dois aspectos. Desde sempre, o PMDB foi mestre em navegar na política com um pé em cada canoa. Quem me acompanha há tempos já leu o seguinte: se bicanoísmo fosse modalidade olímpica, o Brasil garantiria sempre a medalha de ouro com a equipe peemedebista. Desde a redemocratização e o governo José Sarney, o PMDB sempre mantém um pé na canoa do governo e outro pé na canoa com melhor chance de sucedê-lo. Quando o governo muda, ganha destaque o pé que mudou de canoa enquanto o outro pé vai mudando de barco aos poucos. Assim, o PMDB consegue a proeza de ser sempre um parceiro importante, seja qual for o governo. E, entre os peemedebistas, poucos têm tanto quanto Renan o perfil de ter conseguido sempre ser uma figura de proa em todos os governos desde o fim da ditadura militar.


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Nesse esporte do bicanoísmo, os líderes peemedebistas sempre foram mestres em pressionar também os governos para obter os dividendos particulares que buscavam. Hoje, o que boa parte deles pressiona é para que o governo de alguma forma aja para preservá-los nas investigações da Lava-Jato e outras ações correlatas. Vale lembrar a famosa conversa que o ex-presidente da Transpetro Sergio Machado gravou, na sua delação premiada, com o senador Romero Jucá (PMDB-RR). Ali, ficava registrada a expectativa de que após entregues a cabeça da ex-presidente Dilma Rousseff e as demais cabeças do PT fosse possível se criar uma barreira de contenção que parasse tudo. Nada disso aconteceu. Ceifadas as cabeças petistas, a Lava-Jato e suas irmãs seguem em busca de outras. E, sem conhecer outros caminhos, seus alvos seguem recorrendo às ferramentas de pressão que conhecem e sempre usaram, ainda diante da crença de que o governo tenha poder de conter o processo. É o que faz o senador Renan Calheiros (PMDB-AL).

No que diz respeito ao PMDB como partido, algo mudou a partir da primeira eleição de Dilma Rousseff. E todos os demais desdobramentos têm relação com isso. Um pouquinho de história política brasileira recente. No fim da ditadura, o PMDB uniu-se ao então PFL na chamada Aliança Democrática para eleger Tancredo Neves na eleição indireta que derrotou Paulo Maluf e pôs fim à ditadura. Tancredo morreu e, em seu lugar, assumiu José Sarney, que entregou o país com uma inacreditável hiperinflação que chegou a bater, em 1990, 4.853,90% ao ano (você que não viveu esse período, é isso mesmo, você não leu errado). Sarney terminou seu governo tão impopular que nenhum candidato à Presidência na sua sucessão o apoiava. Nem seu companheiro de partido, Ulysses Guimarães. Naquela eleição, o PMDB começou a praticar o bicanoísmo: parte do partido abandonou Ulysses e embarcou na candidatura de Fernando Collor.

O PMDB uniu-se outra vez no processo de impeachment de Collor. Mas, na eleição seguinte, de novo se dividia. Abandonou seu candidato à Presidência, Orestes Quercia, para aderir à candidatura de Fernando Henrique Cardoso. Na reeleição de Fernando Henrique, dividiu-se tanto que não conseguiu nem ter candidato próprio nem apoiar ninguém: ficou oficialmente de fora da eleição. Na primeira eleição de Lula, apoiou José Serra do PSDB. Mas uma parcela do partido aderiu a Luiz Inácio Lula da Silva. À frente José Sarney e Renan Calheiros. Renan, de novo, praticando de forma incrível o bicanoísmo. Ele fora ministro da Justiça de Fernando Henrique. E Alagoas foi o único estado em que Serra venceu as eleições no segundo turno. Mas era com Renan e com Sarney que Lula negociava.

A partir daí, o PMDB foi evoluindo até a primeira eleição de Dilma. Pela primeira vez, o partido entrou coeso numa aliança. O preço que Dilma pagou por esse ineditismo foi ter o PMDB o tempo todo com a faca no seu pescoço, cobrando pesado os espaços que julgava ter direito pelo apoio que lhe entregava. O final dessa história, estamos assistindo, com Michel Temer presidente.

Já Renan é uma personificação desse estilo peemedebista. Quando Fernando Collor era apenas prefeito de Maceió, ele lhe fazia dura oposição como deputado estadual. Para ser, depois, um dos principais aliados de Collor, líder do seu governo na Câmara como deputado federal. No final do processo de impeachment, era um dos denunciantes do esquema de corrupção comandado por PC Farias. Para ser, no governo Itamar Franco, vice-presidente da Petrobras Química S/A (Petroquisa). Foi ministro da Justiça de Fernando Henrique Cardoso. Para se tornar aliado de proa nos governos petistas de Lula e de Dilma.

Durante todo esse tempo, Renan foi driblando as situações que fragilizavam os governos e podiam atingi-lo diretamente. Agora, tal comportamento vai parecendo mais difícil. Mas, como se disse, Renan não conhece outros artifícios e ferramentas. Atleta de proa do bicanoísmo, Renan pratica o esporte contra seu companheiro de partido, Michel Temer. Que, como já acontecia com Dilma e antes com Lula, não consegue conter a independência da Polícia Federal, da Justiça e do Ministério Público. Renan aperta o garrote. É PMDB contra o próprio PMDB. E a novela política segue, cada vez mais estranha e imprevisível…

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