O crepúsculo de Dilma, na paleta de cores de Olicruz

Quem conhece o jornalista Olímpio Cruz Neto sabe que, além de exímio nas letras, ele é também um excelente desenhista. Uma das recordações que Dilma Rousseff levou de seus tempos no comando do gabinete principal do terceiro andar do Palácio do Planalto é uma ilustração de Olímpio de Marlon Brando na inesquecível interpretação de Don Corleone, o Poderoso Chefão. O desenho foi um presente de Olímpio para Dilma.

Olímpio foi secretário de Imprensa de Dilma Rousseff entre janeiro de 2014 e julho de 2015. Depois que ela foi afastada da Presidência da República, deixou uma assessoria no Banco do Brasil para voltar a ser seu assessor pessoal durante o processo de impeachment. Dilma o apelidava de “Olicruz”, uma abreviatura de dois de seus sobrenomes que Olímpio usava como assinatura do seu e-mail. Ele escreve um livro sobre esse período do crepúsculo de Dilma como presidenta – com o feminino flexionado, como a língua portuguesa permite (conforme consta nos dois principais dicionários brasileiros, o Aurélio e o Houaiss, em edições bem anteriores ao seu primeiro mandato) e ela prefere. O primeiro capítulo do livro, que ainda não tem data para ser concluído e editado, foi publicado na última edição da revista Piauí. Pode ser lido aqui.

A descrição feita por Olímpio das primeiras horas de Dilma após receber a notícia de seu afastamento da Presidência da República revela as duas qualidades descritas no primeiro parágrafo. A riqueza de detalhes parece somar os talentos de escritor e de desenhista de Olímpio. O repórter treinado parece se somar ao artista para inserir detalhes de pés descalços, unhas pintadas, robes de chambre, e um inusitado charuto na boca daquela que naquele momento estava deixando de ser presidente.

Uma pena que nesses tempos maniqueístas de coxismos e mortadelismos, muita gente provavelmente torça de pronto o nariz para a descrição feita por Olímpio. Enquanto outros já a exaltem de pronto. O relato de Olímpio deveria ser esperado sem esses emocionalismos, como registro histórico de suma importância. Descrições como a dele, de pessoas que tiveram a sorte de desfrutar da intimidade de personalidades em momentos históricos, costumam ser riquíssimos. Exemplos não faltam. Como Traudl Jung no livro “Até o Fim”, que revela os últimos dias de Adolf Hitler em seu bunker em Berlim antes da entrada das tropas soviéticas no fim da Segunda Guerra Mundial. Traudl foi secretária de Hitler, e o livro é a base do excelente filme “Os últimos Dias de Hitler”, de Oliver Hirschbiegel, queridinho de nove entre dez autores de memes, que trocam as legendas das falas da última reunião de Hitler com seus generais pra fazer as mais variadas piadas. Ou, numa linha próxima da pretendida agora por Olímpio, o livro “113 Dias de Angústia – Impedimento e Morte de Costa e Silva”, do saudoso Carlos Chagas, pai da nossa divergente Helena Chagas, sobre os últimos dias do presidente militar Costa Silva e o processo de edição do AI-5.

E pouco importa aí os eventuais defeitos ou qualidades de Dilma. Como não importavam os notórios defeitos de Hitler e Costa e Silva. Mas, no caso de Dilma, o fato de ela ter sido a primeira mulher a presidir o Brasil. E ter sido o ponto final da era de maior longevidade no poder de um partido político, no caso o PT, na história da República brasileira.  O relato, assim, ganha um importante relevo histórico. Interessante notar como Dilma, por sua personalidade, parecia crescer na adversidade. A governante de discurso enrolado, de simpatia quase nenhuma, de falta de jogo de cintura, parecia ganhar um ânimo novo diante de um combate que ela já sabia perdido. Olímpio nota, por exemplo, a diferença de disposição e semblante dela para o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva naquele momento, ele, muito mais desanimado.

Diversos outros relatos sobre a era Dilma já foram publicados. Modestamente, há um, em edição eletrônica, deste que vos escreve, publicado pela Amazon. No caso, trata-se de uma compilação de artigos escritos – todos em sites jornalísticos na internet – desde a sua primeira eleição. Não tem a pretensão do testemunho próximo de Olímpio. Que o restante do seu livro não demore.

No topo da página, Olímpio por ele mesmo em autorretrato.

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