Lula manda no PT. E muito

Lula. Foto Orlando Brito

Em determinado trecho do depoimento ao juiz Sérgio Moro, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva tenta refutar a ideia de que é ele quem manda no PT. Diz a Moro que ninguém que conhecesse a dinâmica interna do partido terminaria por afirmar isso. O argumento de Lula busca se opor a diversos depoimentos ocorridos na Lava-Jato que parecem colocá-lo no centro do esquema que está sendo investigado. Alguns desses depoimentos tornaram-se públicos ontem (11), quando o marqueteiro João Santana e sua mulher, Mônica Moura, disseram que a palavra final sobre tudo o que era discutido era de Lula.

Quando Lula se dirige a Moro para refutar a ideia de que manda no PT, ele certamente se refere ao processo de debate interno que de fato existe no partido. E é preciso que se diga que, de fato, esse debate interno não acontece de forma tão ampla e intensa em nenhum outro partido como ocorre no PT. Agora, o que Lula não disse a Moro é que ao longo da história do PT a sua própria presença sempre foi fundamental como elemento aglutinador e decisório desse debate interno. Desde a sua fundação, Lula nunca perdeu um debate interno que fosse fundamental no partido. E muitos dos que acabaram perdendo esse debate interno consideraram que não tinham outra saída senão deixar o PT.

Para entender, é preciso voltar às origens da fundação do partido de Lula. A gênese do PT está nas históricas greves de metalúrgicos que ele comandou na região do ABC paulista no final da década de 1970. Discutia-se ali inicialmente como se daria a reorganização dos trabalhadores brasileiros naqueles estertores da ditadura militar. O modelo anterior, surgido na Era Vargas, centrava-se no Comando Geral dos Trabalhadores (CGT), que foi dissolvido após o golpe militar de 1964. O cerne do debate era se haveria uma organização sindical totalmente independente do Estado ou não, discussão que dividia os que buscavam recriar o CGT, como Joaquim Santos de Andrade, o Joaquinzão, e os que se uniram para depois criar a Central Única dos Trabalhadores (CUT).

Essa discussão evoluiu para a necessidade ou não de se criar um braço político-partidário na mesma linha de defesa dos trabalhadores. Inicialmente, como ele mesmo declarou, Lula resistia à ideia de criação de um partido de trabalhadores. Mas acabou convencendo-se da ideia. O PT é criado no dia 10 de fevereiro de 1980, num ato no Colégio Sion, em São Paulo.

Aos trabalhadores, desde o início se unem ao PT grupos de esquerda que não se encaixavam nos partidos da esquerda tradicional, especialmente no Partido Comunista Brasileiro (PCB), conhecido então como “Partidão”. Estavam aí grupos trotskistas ou seguidores das ideias do filósofo italiano Antonio Gramsci. E juntam-se também diversos grupos da sociedade civil organizada, que começavam a encontrar espaço e crescer naqueles momentos de fim da ditadura: a Igreja Católica Progressista, os trabalhadores sem terra, ecologistas, indigenistas, os chamados “povos da floresta”, como os seringueiros comandados por Chico Mendes.

Assim, há aí uma origem heterogênea que, no âmbito interno do PT, vai se dividir pelas diversas “tendências” do partido, os grupos que vão da extrema esquerda à centroesquerda no universo petista. É a esse debate interno que Lula se refere ao se dirigir a Moro. Ocorre, porém, que duas medidas são tomadas pelo PT para evitar que isso levasse ao esfacelamento do partido ou, pelo menos, a constrangedoras cenas de pugilato entre correntes, como acontece, por exemplo, com frequência nas convenções do PMDB. A primeira medida foi aliar ao debate interno uma forte disciplina: tomada a decisão, ela deve ser seguida sem contestação. A segunda: a criação de um campo majoritário, desde sempre comandado por Lula, para garantir a vitória na ampla maioria desses debates.

Ao longo do tempo, não foram poucas as vezes que os derrotados nesse debate interno acabaram deixando o PT. Principalmente, a maioria dessas discussões internas teve como propósito tornar mais palatável a ação do partido junto a parcelas da sociedade menos identificadas com a esquerda, para fazer com que o PT efetivamente se tornasse alternativa de poder. Foi assim que saíram de dentro do PT partidos como o PSTU ou o Psol, já no começo do primeiro governo de Lula. Asim também que saíram do partido políticos como Luiza Erundina, Cristovam Buarque e Marina Silva, com o grupo que foi primeiro com ela para o PV e depois formou a Rede. Em todas as vezes, esses grupos e essas pessoas perderam. E Lula ganhou, com seu grupo.

Evidentemente, isso não é razão suficiente para condenar Lula pelas irregularidades que a Justiça já comprovou com relação a outras pessoas ligadas ao PT. É possível, sim, que alguns dos integrantes da Operação Lava-Jato venham tentando formar com relação a Lula uma argumentação de “Teoria do Domínio do Fato”, como aconteceu com o ex-ministro da Casa Civil José Dirceu no caso do mensalão.

Certamente, até pela popularidade e pela notória inserção de Lula na sociedade, se tal argumentação for frágil ela vai gerar reação. E boa parte da defesa que Lula vem fazendo baseia-se nisso. Não é coisa simples condenar uma personalidade com a força que tem Lula. Quando se julgou o mensalão, não se conseguiu chegar a Lula. Se agora vai-se chegar, é ver os próximos capítulos. O que Lula não pode dizer, porém, é que não manda no PT. Ele manda. E manda muito.

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