Esquerda, direita e uma eleição imprevisível

A pesquisa do Datafolha que mostra uma reversão da onda conservadora e certo retorno de ideias e comportamentos mais identificados com o que a política convencionou chamar de esquerda parece repetir um padrão que também se verifica no restante do mundo. Embora seja impressionante que o eleitorado americano tenha pensado diferente a ponto de elegê-lo, o fato é que a histrionice e a excentricidade do topete laranja de Donald Trump nos Estados Unidos parece de alguma forma ter assustado o resto do mundo e desautorizado tentativas semelhantes em outros países. A extrema direita perdeu as eleições na Holanda e na França. Não foram eleitos nomes de esquerda, mas de centro. Um pouco na linha do que a pesquisa do Datafolha parece mostrar prevalecer também por aqui: a opção por evitar os extremos.

Por aqui, a onda conservadora vinha de vento em popa, rebocada pelas manifestações de protesto contra as administrações petistas, que acabaram no impeachment de Dilma Rousseff. Ainda que tal pensamento não chegasse a prevalecer na sociedade, a onda conservadora fez com que saíssem do armário ideias que desde a redemocratização andavam envergonhadas. Viúvas de militares pedindo a esdrúxula “intervenção” para resolver os problemas do país – não se iluda: intervenção é eufemismo para golpe. Crescimento de ideias conservadoras no campo da moral, como oposição ao aborto, à união homossexual, pena de morte, etc. O que culmina com o crescimento do nome de Jair Bolsonaro nas pesquisas de intenção de voto.

A pesquisa do Datafolha tenta estabelecer um perfil ideológico da população a partir de perguntas que estariam relacionadas a posicionamentos mais de direita ou de esquerda. Em setembro, na última rodada, a pesquisa tinha verificado crescimento das posições mais identificadas com a direita, seja no sentido de privilegiar atitudes individuais seja quanto à menor tolerância à homossexualidade. Agora, segundo a pesquisa, tais posições reduziram e voltam a crescer percepções no sentido de acreditar, por exemplo, que a pobreza resulta da falta de oportunidades iguais.

Na verdade, o que a pesquisa mostra é que há certo empate no momento nesse embate ideológico. E isso é mais um fator a mostrar que o cenário para as eleições presidenciais do ano que vem é totalmente imprevisível. Talvez a reversão do quadro verificada nesta rodada da pesquisa esteja relacionada com o que aconteceu de setembro para cá. Em setembro, havia apenas um mês que Dilma perdera seu mandato. De lá para cá, estourou a série de escândalos que primeiro pegou vários dos ministros do novo governo Michel Temer até chegar ao próprio presidente, após a delação de Joesley Batista. Nesta segunda-feira mesmo, mais um ex-ministro de Temer foi preso: Geddel Vieira Lima. Ou seja: em termos de escândalos, parece ter se consolidado junto à população a ideia de que se trocou seis por meia dúzia.

Sinais de recuperação econômica ainda não são uma coisa sentida pela maioria da população, que pode guardar certa nostalgia do período de prosperidade que realmente houve em determinado momento da era petista. E a população ou rejeita ou no mínimo não demonstra entusiasmo com a agenda de reformas proposta pelo governo Temer (na verdade, o alongamento do tempo de aposentadoria e a perda dos direitos trabalhistas assustam).

A pesquisa mostra mesmo que a reversão da onda conservadora vem acompanhada de um grande grau de desencanto sobre o momento do país. É por tudo isso que o quadro para 2018 vai ficando cada vez mais imprevisível. Os brasileiros parecem estar indo para a festa da democracia com disposição de velório.

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