E se a “decisão histórica” levar a uma “discussão histérica”?

José Dirceu.

Já há quase 300 anos desde que Montesquieu mencionou a necessidade de haver um sistema de “freios e contrapesos” entre os poderes de um país. A ideia está no livro “O Espírito das Leis” do filósofo iluminista. É a base da necessidade de equipotência entre os poderes. É preciso que os três poderes sejam equivalentes para que um seja capaz de fiscalizar e contrabalançar os demais. Quando isso não acontece, esse desequilíbrio acaba contaminando o funcionamento de todo o sistema.

O Brasil de hoje tem um Executivo impopular, enfraquecido por uma crise econômica e política. E que é ainda fustigado pelas denúncias e investigações da Operação Lava-Jato, que atinge boa parte de seus ministros. Denúncias que já haviam derrubado o governo anterior, com boa parte daqueles que foram seus líderes também atingidos pelas mesmas investigações.

O Brasil de hoje tem um Legislativo enfraquecido por motivos semelhantes. Seus dois presidentes, tanto o da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), como o do Senado, Eunício Oliveira (PMDB-CE), estão sob investigação. E diversos outros deputados e senadores. Uma situação que cria um Congresso meio paralisado, sem iniciativa.

Com Executivo e Legislativo enfraquecidos, cresce o Judiciário. E cresce o Ministério Público, braço independente dos demais poderes que a Constituição de 1988 criou. Embora passe pelos dois o necessário processo de saneamento dos hábitos da política – a principal razão do enfraquecimento do Executivo e do Legislativo –, esse desequilíbrio entre os poderes tem gerado seus efeitos negativos.

Primeiro porque, igualmente formado por seres humanos, o Judiciário e o Ministério Público não são perfeitos. E, anabolizados, ficam mais evidentes essas imperfeições. Ainda mais sem ter quem exerça sobre eles o tal sistema de “freios e contrapesos” pensado por Montesquieu.

Diversos acontecimentos dos últimos dias apontam para essa possível anabolização do Judiciário com relação aos demais poderes. Pode estar, por exemplo, na decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de permitir ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) que processe o governador de Minas Gerais, Fernando Pimentel, do PT, sem necessidade de autorização da Assembleia Legislativa. Ou pela também recente decisão do Supremo Tribunal Federal que permite a servidores públicos (muitos deles do próprio Judiciário e do Ministério Público) ultrapassar o teto salarial constitucional.

É uma anabolização que se torna ainda mais perigosa quando a própria parte anabolizada começa a não se entender. Como no caso emblemático da decisão da Segunda Turma do STF de libertar o ex-ministro da Casa Civil no governo Lula José Dirceu. No caso, a maioria da Segunda Turma resolveu mandar um recado ao Ministério Público e à Justiça do Paraná de que eles poderiam estar extrapolando. Especialmente depois que o Ministério Público resolvera de véspera apresentar nova denúncia contra Dirceu, o que os ministros da Segunda Turma interpretaram como indevida pressão com relação à decisão que tomaria algumas horas depois.

Se isso mostra a Segunda Turma numa linha diferente daquela adotada pelo Ministério Público e pela Justiça do Paraná, a verdade é que as diferenças de pensamento também estão dentro do próprio STF. Por isso, o ministro Edson Fachin, como relator, resolve remeter o pedido de liberdade do ex-ministro da Fazenda Antonio Palocci diretamente ao plenário do STF, justamente para tentar evitar destino igual para ele na Segunda Turma.

Assim, vamos tendo com relação a casos semelhantes decisões diferentes, tomadas por diferentes áreas dos superpoderes anabolizados que hoje desequilibram a República brasileira. Com relação à decisão que libertou José Dirceu, o ministro Gilmar Mendes declarou considerá-la uma “decisão histórica”. Não vamos aqui entrar no mérito dela, até por reconhecido desconhecimento jurídico. Mas o risco do desentendimento entre os que hoje compõem o superpoder anabolizado brasileiro é da contestação da “decisão histórica” acabar levando a uma “discussão histérica”. Aí, com Executivo impopular, Legislativo enfraquecido e Judiciário que não se entende, estaremos inexoravelmente ferrados…

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