É duro crer no Leo corretor de imóveis. Mas precisa provar que não foi assim

As torcidas do FlaXFlu político costumam ser inflamadas. Lembram um pouco o saudoso Nelson Rodrigues. Com sérios problemas de visão, quase cego, o grande cronista, escritor e dramaturgo quase não enxergava nada dos jogos. Tricolor apaixonado, conseguia, unindo a imaginação ao pouco que realmente via, transformar qualquer pelada num clássico de proporções épicas. As redes sociais estão cheias hoje de gente que enxergou o ex-presidente Lula jantar o juiz Sergio Moro. E vice-versa. Mas, no fundo, tirando alguns momentos, o clássico LulaXMoro em Curitiba foi um insosso zero a zero.

Nem Moro desconsertou Lula com a apresentação de provas contundentes da sua participação no esquema que a Operação Lava-Jato investiga nem Lula foi capaz de desarmar Moro com alguma incontestável evidência da sua absoluta inocência no processo. Na verdade, os primeiros interrogatórios de uma investigação na maioria das vezes não costumam ser diferentes. Muitas vezes servem apenas para que o juiz obtenha as declarações do investigado sobre os fatos imputados a ele. Fica registrado. E é algo que, no curso da apuração, pode ajudar a inocentar ou comprometer o investigado.

O que fica são algumas situações descritas meio duras de se acreditar. Pela versão de Lula, Leo Pinheiro, o presidente da OAS, uma das maiores empreiteiras do país, por alguma razão, teria resolvido atuar ele mesmo como corretor de imóveis para lhe vender um tríplex no Guarujá. Um tríplex que, pela avaliação de Lula, era ainda um apartamento muito ruim, cheio de defeitos e pequeno para a sua grande família. Lula, com aquele seu jeitão irreverente, chega a comentar com Moro se ele já não tinha alguma vez se encontrado frente a um corretor que tentasse vender a ele uma casa. Se já tinha passado pela experiência, Moro poderia imaginar a insistência. É bem provável que Moro já tenha encarado um corretor de imóveis. Bem provável que ele tenha sido insistente. Improvável que esse corretor tenha sido o próprio dono da empresa. Sendo essa empresa uma das maiores construtoras do país.

Qualquer uma das carpas sobreviventes do laguinho do Palácio do Planalto – ou mesmo as mais distantes aves do pombal mais perto do Supremo Tribunal Federal – sabe que o dono de uma empreiteira do porte da OAS discute mesmo com o presidente da República são grandes obras – hidrelétricas, pontes, estradas, etc. Obras alguns milhares de vezes mais caras que o tríplex no Guaraju, por mais luxuoso que ele seja. Mesmo em se tratando de cliente tão ilustre, é duro crer que o próprio dono da construtora fosse ele mesmo vender um apartamento, mostrá-lo para o cliente, sugerir reformas…

É duro de acreditar. Mas é preciso provar que não tenha sido assim. Aí está a dificuldade. Por menos crível que seja, nada do que foi apresentado na quarta-feira (10) derruba essa versão. De um modo geral, o que Lula faz no depoimento é confirmar o que não podia negar. E apresentar suas versões. Que só poderão incriminá-lo se derrubadas com provas e evidências. Da mesma forma, foi assim que fez ao confirmar o encontro que teve com o ex-diretor da Petrobras Renato Duque. Lula afirma que se encontrou com Duque num hangar do aeroporto de Congonhas apenas para perguntar a ele se era verdade que ele tinha conta no exterior. E que Duque apenas respondeu que “não”, e ele se deu por satisfeito. De novo, parece pouco provável que a conversa tenha sido apenas isso. De novo, vai ser preciso provar que não foi assim.

Daí, fica o empate. Quem acredita em Lula, continuará acreditando nele. Quem não acredita, vai seguir não acreditando. Para o curso do processo, ainda é complicado dizer no que o interrogatório ajudará. Tanto para o caso de Lula. Tanto para o caso de Moro.

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