Dúvidas sobre a bobagem do FlaXFlu ideológico? Consulte a Fundação Perseu Abramo, do PT…

A leitora Adelina Lapa nos sugeriu que voltássemos aqui em Os Divergentes à discussão sobre “os ricos de aventureiros lançarem-se candidatos nessa onda antipolíticos”. Bem, Adelina, o risco, sem dúvida, existe. Já tratamos dele aqui em outras ocasiões. A própria ex-presidente Dilma Rousseff, registramos aqui, falou disso em uma recente entrevista ao jornal americano Washington Post.

As investigações da Operação Lava-Jato e suas correlatas, que resultaram na lista do ministro do Supremo Tribunal Federal Edson Fachin, e que há algumas semanas ocupam a quase totalidade do noticiário com as delações da Odebrecht, pegam os partidos e a classe política brasileira de A a Z. Colocam todo mundo em suspeição. Cria-se aí o campo propício para o crescimento do discurso do “não-político”, do candidato que não está contaminado pelos maus hábitos que, diante da investigação, parecem ter se generalizado no campo tradicional da política.

Mas o que se observa é que não é somente da Lava-Jato e suas investigações que se forma o arcabouço que pode redundar na vitória nas próximas eleições de alguém que a sociedade enxergue como “não-político”, de alguém que pareça ao eleitor diferente e preservado daquilo que ele avalia como negativo na política tradicional. A recente pesquisa divulgada pela Fundação Perseu Abramo, vinculada ao PT, mostra como isso, muito além da Lava-Jato, está impregnado no imaginário da população de baixa renda. Uma população que decidiu as últimas eleições. E que decidiu as últimas eleições a favor do PT. E que agora parece pender em outro sentido. A pesquisa ratifica como é fora de órbita, tola, boba mesmo, a discussão política que se dá sobretudo nas redes sociais, e que em boa parte foi alimentada nos últimos tempos pelos grupos organizados na esquerda, na construção do discurso de polarização, de nós contra eles, que gerou no tal FlaXFlu ideológico. Mostra a pesquisa da fundação ligada ao PT que a maioria das pessoas não tem torcida nesse FlaXFlu. Que nesse jogo, a maioria é, digamos, Vasco.

Com o título “Percepções e Valores Políticos nas Periferias de São Paulo”, trata-se de uma pesquisa qualitativa feita com grupos de pessoas que vivem na periferia de São Paulo. Grupos que foram beneficiados pelas políticas sociais dos últimos governos. Que ascenderam nos últimos anos. Mas que demonstram um tipo de visão de mundo que se mostra hoje totalmente descolada da maior parte do discurso tradicional da esquerda. Que está pouco se lixando pra história de “luta de classes”, que não quer ser tratada como “massas proletárias”, que se enxerga como indivíduo, não como parte da sociedade menos favorecida, que acredita na vitória por seus próprios méritos. E que admira o ex-presidente Lula, mas não por identificá-lo como alguém de esquerda, mas como alguém que veio de baixo e ascendeu por seus próprios méritos. E, nesse sentido, ele, para essas pessoas, é tão digno de admiração quanto o prefeito de São Paulo, João Dória.

“Os referenciais de pessoas públicas de sucesso mais lembrados foram: Lula, Silvio Santos e João Dória Jr.”, diz a pesquisa. “Percebidos como pessoas que ‘vieram de baixo’ e cresceram por mérito próprio”, continua. Para as pessoas ouvidas na pesquisa, o que vale com relação aos três não é o posicionamento político que eles têm, mas o mérito que elas reconhecem neles por terem conseguido ascender.

A pesquisa mostra que talvez as políticas sociais empreendidas pelos governos petistas acabaram de certa forma se transformando em uma armadilha para o partido, ao promover a ascensão de um grupo de pessoas que, na verdade, têm uma visão conservadora de mundo. “No momento de expansão do ciclo econômico, novos valores em relação aos costumes e à política foram gestados entre as camadas populares, que passaram a se identificar mais com a ideologia liberal que sobrevaloriza o mercado”, constata a pesquisa. E conclui: “No momento de descenso e retração do ciclo econômico, essa camada da população passou a reagir informada por horizontes menos associativistas e comunitaristas e mais por diretrizes marcadas pelo individualismo e pela lógica da competição”.

Assim, a pesquisa mostra que o discurso feito nos últimos tempos pelo PT e boa parte das esquerdas não faz muito eco junto ao grupo social que ajudou a ascender nos seus governos. E mostra também, então, como é pouquíssimo importante para esse grupo o FlaXFlu ideológico bocó que habita as redes sociais. “A polarização política não é bem definida ou é inexistente para o público estudado”, considera a pesquisa. “Palavras que limitam os campos e são utilizadas de forma pejorativa em disputas políticas (‘reaça’ e ‘coxinha’ ou ‘conservador’X’progressista’) não habitam o imaginário dessa população”.

E, aí, na linha do que preocupa Adelina Lapa, fica aberto o campo para quem se apresentar como “não-político”. Até porque, como se vê, o que o FlaXFlu define como disputa política passa longe, bem longe, do imaginário do grupo que vem definindo as eleições. “Este cenário de descrédito da política, compreensão do Estado como máquina ineficaz somada à valorização da lógica de mercado e a ideologia do mérito abrem espaços a candidatos como João Dória, um ‘não-político’, gestor trabalhador que ascendeu e que, por isso, não vai roubar”.

Não parece que seja a intenção da Fundação Perseu Abramo sugerir ao PT que abra mão de suas convicções ideológicas para se adaptar à realidade. Mas apontar para o quadro de mudanças muito rápidas por que passa a sociedade, não apenas a periferia, não apenas a parcela mais pobre, alvo do extrato estudado. Há, sugere a pesquisa, a necessidade de uma mudança de estratégia e de reconstrução do discurso.

Durante os últimos anos, amizades foram desfeitas, pessoas se xingaram e se estapearam verbalmente nas redes sociais. Em nome de um maior ou menor comprometimento com as populações mais pobres. E, mostra a pesquisa, as populações mais pobres não estavam nem aí para isso. Ou, mais do que isso, as populações mais pobres percebiam que, no jogo, todo mundo era meio igual. Talvez porque se misturassem mesmo nas alianças políticas. Talvez porque, como se vê, todo mundo está igualmente enrolado.

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