Duas mulheres e um indulto derrotado

“Indulto não é nem pode ser instrumento de impunidade”.

“Indulto não é prêmio ao criminoso nem tolerância ao crime”.

Antes de ser presidente da República, antes de ser vice-presidente de Dilma Rousseff, antes de presidir o PMDB e a Câmara dos Deputados, antes mesmo de ser político, Michel Temer já se gabava de ostentar em seu currículo a fama de respeitado constitucionalista, professor de Direito Constitucional da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.

Deve ter sido duro para o jurista ler as duas frases acima na decisão dada pela presidente do Supremo Tribunal Federal, ministra Cármen Lúcia, suspendendo o Indulto da Alegria feita por ele, que concedia o benefício para condenados em crimes de corrupção e perdoava multas impostas por desvio de recursos públicos.

Desde a publicação do decreto de indulto, ficou a sensação de que Temer operara para beneficiar os diversos políticos e empresários que estão enrolados em investigações como as da Operação Lava-Jato. A peça foi duramente criticada por procuradores, juízes. E acabou rechaçada de forma dura por Cármem Lúcia. Acolhendo parecer igualmente duro da procuradora-geral da República, Raquel Dodge.

As duas mulheres que comandam o Judiciário e o Ministério Público não poderiam ter dado mais amargo presente de Natal para Temer. Consideraram que o jurista extrapolou das suas atribuições. Ou seja, não considerou os limites legais e constitucionais que ele deveria conhecer bem. E isso com a ajuda de outro renomado advogado e jurista, o ministro da Justiça, Torquato Jardim.

 

O presidente Temer e a Procuradora-Geral da República, Raquel Dodge. Foto Marcelo Camargo/Agência Brasil

As duas ainda colaram em Temer a pecha de agir para beneficiar e ser tolerante com criminosos. Como Cármen Lúcia escreveu de modo bem claro nas duas frases transcritas acima. Como já tinha dito também Raquel Dodge, para quem Temer teria “claramente” agido para favorecer a impunidade.

Temer, segundo alguns de seus interlocutores, está bem irritado. No fim das contas, como já observou Helena Chagas, Raquel Dodge anda bem longe de ser a mansa procuradora que muitos achavam que ela seria, uma nova engavetadora geral da República (quem já a conhecia bem, porém, já sabia que ela não teria esse perfil). E Cármem Lúcia segue coerente numa atuação que não costuma deixar brechas para tolerância com a corrupção.

O que quer que tenha levado Temer a produzir tal indulto tornou-se, pela ação das duas mulheres, um explosivo tiro pela culatra. O presidente arriscou-se na produção de uma peça polêmica e viu-se derrotado. Ficou com a fama (de conivente com a impunidade). E, graças a Raquel Dodge e Cármem Lúcia, não deitou na cama.

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