O racista e o misógino

“Tá buzinando por que, ô seu merda do cacete. Sabe o que é, né? É preto, né. É coisa de preto mesmo, né. Com certeza”.
William Waack, então âncora do Jornal da Globo, falando com Paulo Sotero, diretor do Brazil Center, ao vivo, de Washington. O vídeo foi gravado em 8 de novembro de 2016 e vazado um ano depois, durante a cobertura da vitória de Donald Trump.

“Agora, durante o período de 10 anos, nenhuma delas (265 ginastas, crianças e adolescentes que acusaram o médico norte-americano Larry Nassar, por abuso sexual), mais de 260, nenhuma delas chamaram (sic) a irmã ou os pais e falaram: ‘papai, mamãe… ele tá enfiando o dedo dentro de mim’. (…) Eu estou duvidando é que nenhuma das meninas contaram (sic) pros pais, e agora são mais de 265. Quantas dessas meninas foram realmente abusadas? Porque depois que começou a sair a lista, iria sair uma grana preta… Ou seja, qual dessas meninas entraram (sic) na lista na carona? (…) A pessoa faz um tratamento desse e ninguém conta em casa? Se contaram e os pais não fizeram nada, são umas bestas”.
Lucas Mendes, âncora do Manhattan Connection, da Globonews, de Nova York, ao vivo, no programa do último dia 18 de fevereiro.

O jornalista William Waack deve estrear no próximo mês seu projeto na internet, o “Painel WW”- sim, iniciais de William Waack, quem disse que ele é modesto? -, em parceria com a produtora paulista Infiniti e veiculação ao vivo na All TV, YouTube, Facebook e em seu vlog. Sim, WW está de volta ao jornalismo, pela via transversa da rede, depois de ser surrado para fora do Jornal da Globo, e defenestrado pela própria emissora, por uma declaração racista. Não vou aqui perder tempo com quem defende o conjunto da carreira de Waack, de fato um tremendo talento. Acontece que profissionalismo e caráter, pra mim, andam juntos. Ele foi demitido pela Globo, após o vazamento de um vídeo, onde insulta negros e demonstra preconceito. Leio hoje em blogs que ele “aparentemente” foi racista. Aparentemente? Não dá pra relativizar a frase “Isso é coisa de preto”.

WW encerrou seu vínculo com a antiga emissora em dezembro e cumpre quarentena draconiana que fez parte de seu – certamente vantajoso – contrato de desligamento, que estabelece que não pode trabalhar em nenhum canal comercial de TV aberta pelo período de três anos. Com isso, SBT, Record TV, Band e RedeTV! podem desistir de ter o ex-global em seu casting de jornalistas até 2020, a menos que assumam pagar uma multa milionária à Globo. Enquanto isso, WW dá palestras em empresas e universidades – aquelas que acham natural ouvir um grande jornalista, mesmo sendo um racista.

Agora, foi a vez de outro âncora, do detestável Manhattan Connection, transmitido pela Globonews (ex-canal GNT) – uma das poucas casas capazes de abrigar Diogo Mainardi -, mostrar sua porção imprópria. E Lucas Mendes não precisou de um complô dentro da emissora para revelar sua cara misógina. Ele falou ao vivo, no último dia 18, no programa exibido aos domingos pela Globonews. E foi fortemente contestado pelos perplexos companheiros de bancada, Caio Blinder e Pedro Andrade, meio incrédulos com o que ouviam. A misoginia declarada de Lucas Mendes viralizou nas redes e certamente será o boom de views em sua carreira.

Como escreveu o BuzzFeed, parecia um dia normal no Manhattan Connection, quando Lucas puxou o assunto do médico americano condenado por abuso sexual de ginastas. Versão anabolizada do médico brasileiro, o tarado Abdelmassih, o ex-médico da seleção americana de ginástica, Larry Nassar, foi acusado de abuso por ao menos 265 ginastas, crianças e adolescentes, ao longo de 20 anos. Ele foi condenado a cumprir de 40 a 175 anos de prisão nos EUA. Só Lucas Mendes saiu em sua defesa. Fez mais do que isso. Traçou uma rocambolesca tese, citando de Donald Trump a Woody Allen, para o que ele considera ser uma onda de “perseguição” aos acusados de abuso, assédio e até mesmo pedofilia.

Mendes não só duvidou das vítimas, mas disse claramente que, pelo menos parte das denunciantes, estava de olho na “grana preta” dos processos, o que ele chamou de “lista na carona”. “Agora, durante o período de 10 anos, nenhuma delas, (…) chamou a irmã ou os pais e falaram: ‘papai, mamãe… ele tá enfiando o dedo dentro de mim'”, proferiu Lucas, numa frase pra lá de inacreditável. Era possível ouvir o queixo de Caio e Pedro desabar na bancada. “Você está duvidando das meninas?”, perguntou Caio Blinder, querendo entender o raciocínio de Lucas. Caio ainda tentou mostrar a Lucas sua desinformação, já que as meninas falaram sim para os pais, médicos e pessoas próximas. Mas foram desacreditadas, exatamente como Lucas fez ao vivo de sua tribuna.

Lucas não se deu por vencido e tentou defender seu argumento. “Você está dizendo que não tem nenhuma oportunista?”, questionou novamente. “De 265, pode ter uma ou outra, mas o que você está dizendo é o mesmo que duvidar dos abusos da Igreja Católica em Boston, porque demoraram 20 anos para falar”, rebateu novamente Caio. “Muita gente não fala porque tem medo que as pessoas não acreditem nelas”, completou Pedro Andrade, visivelmente ofendido. “Mas você não tá defendendo esse crápula das ginastas, né? Se dois casos forem verdadeiros, esse cara já merece apodrecer na cadeia”, reforçou Pedro.

A última frase de Lucas Mendes, o âncora misógino da Globonews, encerra essa coluna: “A pessoa faz um tratamento desse e ninguém conta em casa? Se contaram e os pais não fizeram nada, são umas bestas”. Como escreveu o jornalista Leandro Fortes, WW não foi demitido por ser racista, mas porque seu racismo foi exposto. O de Lucas foi escancarado. E agora?

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