Temer faz angioplastia para evitar infarto e remete a dilema com saúde dos presidentes

Presidente Michel Temer.

A saúde de um chefe de Estado, especialmente no exercício do mandato, jamais será tratada como um assunto privado ou trivial – e por representar algo sensível, torna-se um desafio para a comunicação de presidentes. Neste sábado, 25/11, o país soube que o presidente Michel Temer foi submetido, na noite anterior, a uma angioplastia de três artérias coronárias. Felizmente, passa bem e deve voltar ao trabalho nesta segunda. Ao invés de notas burocráticas e desmentidos palacianos, dessa vez a transparência venceu. O médico Roberto Kalil Filho, um dos responsáveis pelo atendimento no Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo, convocou uma coletiva e disse, com todas as letras, que o presidente corria o risco de sofrer um infarto. As três artérias tratadas tinham obstruções relevantes, de cerca de 90%. Em duas delas, foram colocadas stents. Na terceira artéria tratada, foi feita apenas a angioplastia, que é o alargamento da artéria, e não foi colocado stent. O presidente se recupera na Unidade Coronariana do Sírio-Libanês. Um de seus primeiros compromissos na volta será receber o presidente boliviano Evo Morales, cujo encontro foi adiado por causa da condição médica de Temer.

A obstrução parcial da artéria coronária de Temer era conhecida desde 10 de outubro, mas não sua gravidade. À época, o Palácio do Planalto declarou que Temer gozava de perfeita saúde. E acrescentou que, nos exames, “não foi constatado nem reportado ao presidente nenhum problema”. Tanto que adiou o procedimento cirúrgico e esperou que resolvesse primeiro suas pendências com o Congresso – duas denúncias, por organização criminosa e obstrução de Justiça, devidamente enterradas.

Temer, mais velho presidente brasileiro a tomar posse, aos 75 anos, tem passado por uma sequência de baixas no estaleiro – quase sempre informadas, com algum atraso e sem detalhes.No dia 25 de outubro, teve um mal-estar e foi levado para um hospital militar em Brasília. Boatos tomaram Brasília. Dois dias depois, ele passou por uma cirurgia nomeada de “procedimento de desobstrução uretal através de ressecção da próstata”, também no Hospital Sírio-Libanês. O Planalto limitou-se a notas oficiais.

Não chegamos, nestes casos, aos requintes que já cercaram a extinta União Soviética, com seus camaradas trôpegos em público, consumidos pela vodca, na era pré-glasnost, ou o Vaticano, com mortes de pontífices sempre tratadas com mistério. Não é difícil, porém, listar nossos casos médicos, invariavelmente escondidos até o limite da sociedade e da mídia. Nos primórdios da República, doenças afastaram do poder Affonso Pena e Café Filho, jogando o poder no colo de Nereu Ramos. Na ditadura militar, a saúde presidencial era tratada com o rigor de confidencialidade exigido por temas de segurança nacional. O Marechal Arthur da Costa e Silva começou a sentir cinco meses antes os primeiros sintomas da isquemia que o levaria à morte. Durante cinco dias, o Planalto escondeu dos brasileiros que o presidente estava inabilitado para conduzir o país. Foi substituído por uma Junta Militar no ano de 1969.

Figueiredo com a primeira-dama Dona Dulce, após a cirurgia em Cleveland. Foto Orlando Brito

O último presidente da ditadura, João Figueiredo tinha insuficiência renal e cardíaca, mas isso era disfarçado. Também sofria com hérnia de disco. Só não foi possível esconder sua ida às pressas para Cleveland, nos Estados Unidos, em 1981, para tratar de um infarto. O colunista Jânio de Freitas revelou na Folha, à época, que Figueiredo tinha um problema cardíaco que necessitava de cirurgia, à qual pretendia se submeter às escondidas. A revelação, inicialmente classificada como “terrorista” pelo governo, obrigou que o tema fosse tratado às claras, apesar de nem sempre de forma transparente. Ele foi submetido a uma outra cirurgia em 1983, ainda no cargo, para a implantação de uma ponte safena e uma mamária. Em 1985, Figueiredo foi operado para tentar corrigir problemas na coluna.

Tancredo Neves. Foto Orlando Brito

Tancredo Neves, eleito de forma indireta por um colégio eleitoral, inaugurando a Nova República, adiou a procura de tratamento para as fortes dores abdominais que vinha sentindo e preferiu fazer um giro pela Europa em busca de apoio internacional para sua posse, sob o temor de que os generais linha-dura pudessem dificultar a transição. No dia em que tomaria posse, em março de 1985, foi internado para tratar de um tumor benigno no intestino, sofreu sete cirurgias e nunca mais voltou. Na época, todos chancelaram a versão de que sofrera uma diverticulite. A famosa foto de Tancredo e sua mulher, dona Risoleta, ao lado da equipe médica, quase todos sorridentes, no Hospital de Base, mostrou-se depois uma cena forjada. Três horas depois desta foto, o presidente teve nova hemorragia. Fernando Henrique Cardoso atravessou dois mandatos com dores na coluna e no nervo ciático. Fora de seus mandatos presidenciais, Lula e Dilma Rousseff enfrentaram abertamente tratamentos contra o câncer, o que conteve rumores inverídicos da doença.

O clima de segredo sobre a saúde dos presidentes também é uma tradição da chamada maior democracia do planeta. Em 1919, Woodrow Wilson ficou incapacitado após um derrame, mas a população só soube disso meses depois. Similarmente, o fato de que Franklin Roosevelt estava confinado a uma cadeira de rodas por uma infecção viral foi mantido em segredo na primeira vez em que ele concorreu à Presidência em 1932. Anos mais tarde, em 1944, o presidente enfrentava problemas cardiovasculares, e Frank Lahey, um cirurgião que o examinou, alertou que ele não sobreviveria a outro mandato. Roosevelt morreu no ano seguinte, mas o memorando só foi tornado público em 2011.

Temer tem muito a aprender com os erros e acertos de seus antecessores, aqui dentro e lá fora.


Leia também: Temer: internação hospitalar, vitória na Câmara e a volta ao Planalto

Deixe seu comentário