Série: Rio de Janeiro do bacamarte ao fuzil AR-15

O velho Bacamarte e o moderno AR-15

A prisão de Rogério 157, no Rio de Janeiro, traz de volta ao noticiário nacional o escândalo da falta de segurança e da criminalidade desbragada da antiga capital federal. Preso, 157 estará seguro, a salvo de ameaças de rivais. As comunidades (nome sociológico apropriado pela geografia para designar favelas) são muito inseguras para bandidões. A novidade é que teremos mais um chefe do tráfico a comandar guerras de facções de trás das grades.
Não é por menos que os chefes de polícia no Rio de Janeiro são celebridades. Alguns chegaram a alçar voos bem altos. Outros ficaram no folclore, como o célebre Onça até hoje invocado quando se quer designar um amigo urso. O capitão Luiz Monteiro, entre 1725 e 1732 implantou a lei e a ordem na cidade, antes mesmo do Rio ser elevado a capital da Colônia.

O mais famoso de todos, porém, e que entrou para a História como o político mais relevante no País no Século XIX, depois de Dom Pedro II, foi o então major Luiz Alves de Lima e Silva, o hoje popular Duque de Caxias.
É verdade: pouca gente sabe que o célebre duque, três vezes primeiro-ministro do Império (o equivalente a presidente do governo), vencedor de tantas guerras e símbolo do comportamento rigoroso (ser “caxias” é sinônimo de inflexível) deixou as fileiras e entrou na política como chefe de polícia da então capital do Império, a Corte do Rio de Janeiro, então assolada pelo banditismo e pela desordem pública. Concluída a missão ele foi mandado para “Pacificar” províncias rebeldes (Maranhão, que o elegeu deputado federal, Minas Gerais, São Paulo e Rio Grande do Sul, província por que se elegeu senador em 1845). Então deixou a farda e foi para o Congresso.

Em 1832 o major Luiz Alves, como ele gostava então de ser chamado, excluindo o “Lima e Silva”, nome identificado à sua família e por seus parentes tidos, na época, como os “esquerdistas” de nossos dias, ou seja, liberais. Nesse ano os liberais levaram o imperador Pedro I ao desespero e à abdicação.

A queda do imperador foi uma espécie de impeachment. Então a esquerda da época (os liberais eram republicanos moderados) assumiu o poder numa fórmula denominada Regência Trina, quase igual a que deu errado ao ser repetida 150 anos depois pela ditadura, a Junta Militar dos jocosamente chamados por Ulisses Guimarães de “Três Patetas”, em 1969. Um dos regentes da Trina era o pai do futuro duque, general Francisco de Lima e Silva.

Com a capital tomada pela anarquia, a bandidagem agindo à solta, o regente chamou seu filho, que era um dos líderes da direita militar de então, o Partido Regressista, que defendia a volta do imperador exilado na Europa. Em 1834, com a morte de Dom Pedro (a esta altura já era IV de Portugal, mas ainda destronado), os regressistas se converteram no Partido Conservador.

Foi para obedecer ao pai que Luís Alves assumiu o comando da polícia da Corte, não sem antes ser promovido a tenente-coronel, o posto tradicional dos comandantes dos corpos policiais. Até então, Luiz Alves era conhecido apenas como o melhor espadachim do Exército, famoso por sua participação na guerra da Independência, quando na batalha da Bahia enfrentou sozinho uns 10 ou mais soldados portugueses e, como se fosse um desses samurais de filmes, deu cabo de vários e botou os demais a correr.

Sua fama de mau-peixe e “porrada” segura era uma boa credencial para impor respeito ao assumir a polícia numa cidade conflagrada. Entretanto ele não seguiu os passos do famigerado Onça, que disciplinou o Rio com métodos rigorosos, digamos , como se pode imaginar pelo apelido que a população lhe deu e que até hoje os cariocas não esqueceram, lembrando-se de coisas antigas como “do tempo do Onça”.

Em vez de baixar o pau, como todos esperavam, o jovem comandante (tinha 28 anos) chegou falando que apenas repressão desmedida não resolveria o problema na violência e que iria enfrentar a raiz do problema. Então partiu para reformas do sistema de segurança.

A primeira coisa a fazer foi uma reconstrução toda da polícia da capital. Alegando que havia muita incompetência e corrupção, extinguiu a Guarda Imperial de Polícia, o que seria hoje a Polícia Militar, e criou nova força denominada Guarda Municipal Permanente.

A nova corporação levou pouquíssimos integrantes da antiga polícia imperial. Trouxe gente do Exército e iniciou o treinamento à vista do público, na atual Praça da República, no centro do Rio.

A nova polícia teve recursos para se reformar. Mesmo num tempo de grande crise econômica e com um governo fraco (a Regência Trina durou pouco), o novo comandante conseguiu superar contingenciamentos e cortes orçamentários. Luiz Alves já se revelava bom político. Outra explicação: conseguira a prioridade por ser filho de um dos regentes do Império. A verdade histórica é que a reforma da segurança se realizou. Na política, o regente-pai derrubou seus dois colegas e ficou titular da Regência Uma, que durou (com alternância no poder) até a Maioridade de Dom Pedro, em 1840.

Voltando ao projeto do futuro Duque de Caxias: Luiz Alves já naquele tempo tinha noções da importância da comunicação social como meio de atrair apoio da população a seus projetos. Na praça, então chamada Campo de Santana, era programa recreativo a população assistir aos novos guardas marchando em ordem unida, adquirindo garbo e precisão.

Os policiais fardados, que antes eram vistos em andrajos, ganharam uniformes novinhos, com designs modernos e muito bem cortados. O novo comandante dizia que isto era essencial para que a população reconhecesse no policial um homem limpo, saudável, elegante e com amor próprio à vista; por outro lado, a policial deveria sentir orgulho de sua corporação, confiar em seus camaradas, sentir e captar o respeito e admiração do povo da cidade.

Foi o que aconteceu, pois embora não se encontre muitas informações históricas sobre a atuação dos “permanentes”, como eram chamados os policiais de Caxias, também não se fala de desordem nem de insegurança.

Na verdade, o resultado mais surpreendente desse período de formação da nova corporação foi que uma mocinha da alta nobreza, Ana Luiza do Loreto Carneiro Vianna, que todos os dias ia para a janela do palacete da família assistir às evoluções dos guardas em treinamento na praça, acabou por atrair a atenção de seu comandante, a ponto de, meses depois, os dois se casarem.

A família da noiva de início se opôs. Naquela sociedade, oficiais do Exército não eram bem vistos nas altas rodas da nobreza e Luís Alves vinha de uma estirpe de militares há muitas gerações, filho, neto, bisneto, sobrinho, irmão e primo de generais, uma linhagem que vinha desde Portugal e depois foi incorporada pelo Brasil independente. Com o casamento o jovem tenente-coronel passou a frequentar as altas rodas. Além disso, e de sua fama de espadachim, foi nomeado instrutor de esgrima do imperador-menino. Entrou para a corte.

Depois disso, já na República, os governos usaram métodos drásticos para combater a criminalidade, enviando para os confins da Amazônia os então chamados elementos “indesejáveis à ordem pública”, antecipando em décadas os famosos gulags criados por Stalin nos ermos da Sibéria.

Os primeiros campos de concentração para presos comuns e políticos foram criados ainda no governo do vice-presidente em exercício Floriano Peixoto, em 1893. Apropriadamente cognominado ”Marechal de Ferro”, mandou a população carcerária (quase todos negros, os chamados “capoeiras”, acusados de tramar o regresso da princesa Isabel) do recém-criado Distrito Federal para campos de concentração instalados em Tabatinga e São Joaquim do Rio Branco, no estado do Amazonas.

O caso mais dramático se deu no governo do presidente Arthur Bernardes, em 1924. Nesse ano os militares rebeldes do Levante Tenentista de 1922 e 24, anarquistas e demais dissidentes foram confinados no extremo norte, na fronteira com a Guiana Francesa. O final desse campo foi terrível, com a morte de quase todos os prisioneiros, apagado da historiografia brasileira.

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