Sem o anjo da morte

O ano de 2020, que caminha para o seu final, nos deixa dias tristes e sombrios, entre mortes e estupidez

O ciclo de Natal, no calendário e nas práticas cristãs, é celebrado entre 25 de dezembro – nascimento de Cristo – e 6 de janeiro. Esses dias se referem à peregrinação dos três reis magos – Baltazar, Gaspar e Melchior – cidade de Belém onde encontrariam o menino Jesus. É nesse período que o mundo cristão exerce a sua comunhão e festeja, com todos os ritos e simbologias, o início de um novo ano.

Há pelo menos duas referências pagãs que coincidem com a escolha da Igreja Católica para a data imprecisa do nascimento de Jesus. Um dos cultos da Grécia clássica era o Mitra, o Deus-Sol. Essa reverência se estendeu ao Império Romano que a celebrava, para gáudio do seu exército, nos dias 24 e 25 de dezembro, data que, segundo a lenda, correspondia ao nascimento da divindade. Por sua vez, o Imperador Aureliano Augusto, dois antes de ser assassinado em 275dc, estabeleceu o dia do nascimento do Sol em 25 de dezembro (Natalis Solis Invicti – o nascimento do sol invencível). Era um dia de festas, jantares, banquetes, embelezamento e ornamentação das árvores com velas e galhos de loureiros. As luzes das velas espantariam a escuridão e os maus espíritos. Quando o Imperador Constantino se converte ao catolicismo no século IV, têm início as celebrações do nascimento de Cristo pelo povo cristão. Até então a Páscoa, com sua Epifania, era o principal momento do cristianismo. As alterações e coincidências das datas se deram por ato do Papa Gregório XIII, que criou calendário gregoriano vigente.

Noite de festa na capital do Brasil: os fogos de artifício iluminam a Catedral de Brasília – Foto Orlando Brito

O Réveillon – que tem origem no verbo francês réveiller, ou seja: “acordar” ou “reanimar” -, é na verdade momento de ritos, comemorações e celebrações pagãs. Alguns mil anos antes da Era Cristã, quando o homem inventou a agricultura e com ela o calendário, a compreensão do tempo e das estações do ano, os dias entre o início do final do frio e o começo da primavera, do plantio e das colheitas era motivo de festejar a fartura e a abundância. A religião, seus mitos, monstros e deuses, também se faziam presentes nas liturgias e rituais de agradecimentos, advertências e medos. Na Mesopotâmia era célebre o festival Zamuk, quando se exaltava a passagem de um ano para o outro, numa comemoração que durava 12 dias. Festa semelhante era realizada pelos persas e babilônicos num ritual chamado Sacae uma luta da luz contra a escuridão que era, na verdade, uma homenagem ao solstício de inverno no hemisfério norte.

Do passado distante aos nossos dias, entre todos os povos e continentes, entre deuses pagãos e a reverência e a nobreza do cristianismo, em todos esses momentos, os homens e as civilizações cumprem seus ritos e celebrações. Com seus mitos e oferendas, propugnam pela paz, a vida, o amor, a felicidade e a alegria. O ano de 2020, que caminha para o seu final, nos deixa dias tristes e sombrios, entre mortes e estupidez.

Reza a lenda que o nosso costume da ceia de Natal a meia noite vem da tradição de alguns povos primitivos que passavam, no 25 de dezembro, a noite com tochas acesas numa vigília sagrada para que o sol nascesse dissipando a escuridão anunciando a esperança. Que nossas sagrações e orações tirem do nosso caminho os demônios e anjos da morte que nos afligem.

Um feliz Natal e um ano bom em 2021!

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