Republicanos e federalistas

A Constituição diz que é intocável a “forma federativa” e silencia sobre “república”. Mas republicano passou a ser a palavra mais usada na política e, embora ninguém saiba o que é republicano, de qualquer atitude que seja contrária à sua, diz-se que não é republicana.

A Proclamação da República, por Benedito Calixto

Hoje, República ganhou um status que nunca tinha tido na História do Brasil. Não falo do exercício do sistema de governo em si, mas da palavra republicano, que no Império nem na propaganda republicana era usada. No próprio Manifesto Republicano de 1870 a palavra só é usada no título do documento e do partido que se fundava. Seguia-se o exemplo americano, em que os fundadores, em seus debates sobre a Constituição, foram marcados pelo título de federalistas dado aos artigos de Madison, Hamilton e Jay, enquanto republicano era usado em oposição a democrático, forma de governo considerada então como anárquica.

Os pontos centrais das propostas republicanas no Brasil eram a federação e a legitimidade partidária. Apoiavam assim os políticos das províncias, insatisfeitos com o centralismo da Monarquia, o que dera origem à única emenda da Constituição do Império, o Ato Adicional. E defendiam “os partidos legítimos […] sem cuja ação o sistema representativo se transforma no pior dos despotismos, no despotismo simulado.”

Mas não foi um partido republicano que proclamou a República, e sim um golpe militar, gerado numa questão de facções, que se tornou decisiva depois da adesão do Marechal Deodoro da Fonseca, que detinha prestígio e poder muito grande nos meios militares. Deste modo a política brasileira não foi guiada por ideologia e sim por grupos pessoais, que se organizavam em torno de algumas causas corporativas e provincianas.

Marechal Deodoro da Fonseca

Como denunciavam os republicanos em 1870, o Brasil nunca teve tradição partidária, e esta nunca teve um caráter nacional. Isto contrasta com os países vizinhos e seus partidos centenários, como os Colorados e Blancos no Uruguai; no Paraguai, Colorado; na Argentina, a União Cívica Radical, todos com mais de um século, e recentemente, com mais de meio século, o Peronismo, que ainda hoje ninguém sabe o que é — há apenas a figura de um coronel que implantou um anarcopopulismo naquele país que provocou, paradoxalmente, alianças e confrontos entre trabalhadores e militares.

Outra característica de que falei é a ausência de partido nacional. No Brasil, ele só foi criado em 1945, por meio da Lei Agamenon Magalhães, e os primeiros a surgirem foram a União Democrática Nacional, o Partido Trabalhista Brasileiro e o Partido Social Democrático. Hoje há uma colmeia de partidos, o que está tornando o país ingovernável.

A Constituição diz que é intocável a “forma federativa” e silencia sobre “república”. Mas republicano passou a ser a palavra mais usada na política e, embora ninguém saiba o que é republicano, de qualquer atitude que seja contrária à sua, diz-se que não é republicana.

Assim, republicano passou a ser um intangível código de conduta, em vez de uma forma de governo. Qualquer coisa é logo contestada: “Esta não é uma conduta republicana.”

E não se sabe o que é a conduta ou a regra republicana!

— José Sarney é ex-presidente da República, ex-senador, ex-governador do Maranhão, ex-deputado. Escritor. Imortal da Academia Brasileira de Letras. Artigo publicado também no jornal O Estado do Maranhão

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