O tamanho único está matando o Brasil

Paulo Solmucci presidente executivo da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (ABRASEL)

de Paulo Solmucci

Para a maioria dos jovens brasileiros, a legislação trabalhista não deixa escolha. Se correr o bicho pega, se ficar o bicho come. A questão é que as jornadas de trabalho são de tamanho único: 44 horas semanais. Aí, o jovem fica sem alternativa. Esfalfa-se no serviço o dia todo e, à noite, está cansado e desmotivado. Já há tempos a evasão escolar do ensino médio da rede pública estabilizou-se na faixa dos 20%, atingindo mais de 1 milhão de alunos, segundo dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inesp).

O fato recente, porém, é que, além dessas gigantescas perdas anuais, que condenam a manter por décadas seguidas a força de trabalho brasileira com baixíssimos níveis de produtividade e remuneração, a profunda crise dos últimos três anos piorou um quadro que, antes, já era dramático. Cinco milhões dos atuais 12 milhões de desempregados são jovens entre 14 e 24 anos. Desde o ano passado, a crise intensificou-se, ainda mais, sobre aquela parcela da juventude que, ao conseguir um emprego, tem de abandonar a escola, porque, para esse contingente, uma coisa não se concilia com a outra.

No ano passado, as matrículas do ensino médio caíram 2,7% em relação a 2014. Ou seja: além daquela consolidada evasão anual de 1 milhão de alunos do ensino médio, mais 224 mil jovens deixaram de se matricular, como apontou o último censo do Inesp. “A vida do jovem no mercado de trabalho, mesmo com educação, não é fácil. Mas, sem educação torna-se muito mais difícil”, declarou recentemente à imprensa o economista Marcelo Neri, diretor da FGV Social e ex-presidente do IPEA.

Com o prolongamento da recessão, ficou ainda mais dramática a situação dos jovens diante do dilema de ter de escolher apenas uma das duas opções: estudar ou trabalhar. Fernando de Holanda Barbosa Filho, pesquisador de Economia Aplicada do IBRE/FGV, assim disse à revista Exame, em agosto último: “A recessão, que reduziu a renda familiar, obriga pessoas a voltarem o foco para o mercado de trabalho. Às vezes, as pessoas não conseguem estudar e trabalhar ao mesmo tempo e vão só procurar emprego. Agora é um momento em que falta dinheiro em casa. Então, o filho também vai buscar trabalho”.

Uma solução para o impasse em que vivem esses jovens é uma das facetas contidas nas propostas de regulamentação do contrato de trabalho intermitente, que estão em adiantadas tramitações nas duas casas do Congresso Nacional, e, agora, foi declarada prioritária pelo Palácio do Planalto. É preciso dar a eles a opção de ajustar as jornadas de trabalho aos horários de descanso, aos deveres de casa, e a ida à escola. Em outras palavras: o trabalho não pode atrapalhar o aprendizado escolar dos jovens, sobretudo aqueles situados na larga base da pirâmide socioeconômica brasileira. E a escola não pode impedi-los de exercer um trabalho, de que tanto necessitam para o seu próprio sustento e, também, para o apoio às suas respectivas famílias.

As jornadas móveis, contempladas em todos os projetos de trabalho intermitente – tanto os do Legislativo quanto os do Executivo – estão alinhadas com as normas prevalecentes, mundo afora, em mais de uma centena de países organizados. Quando vão aos programas de intercâmbio no exterior, a nossa moçada trabalha e estuda. Ao voltarem à sua pátria mãe gentil, os jovens não conseguem exercer, simultaneamente, as duas opções. Aqui, há a bifurcação de caminhos excludentes: a escola ou o serviço.

O cerne de todas as proposições em curso é a plena e inarredável incorporação dos direitos trabalhistas aos contratos do trabalho intermitente: férias, décimo-terceiro, fundo de garantia, assistência social, aposentadoria etc etc. Como é que alguém, em sã consciência, pode ser contra isso? O opositor é mau caráter ou é tanso. Será que ele não enxerga que os direitos trabalhistas estão no âmago das propostas em curso (aliás, de forma avançada) na Câmara dos Deputados, no Senado ou na Presidência da República? Impossível. Burrice demais é esperteza.

O Brasil está matando o Brasil. Esse conservadorismo oportunista é sádico, cruel, perverso. A trava do tamanho único na legislação trabalhista é um dos maiores impeditivos para que a roda da economia volte a girar. Há muitas lideranças que estacionaram no início do século passado, recusando-se a colocar o pé no novo milênio. A fonte de um desemprego que jorra, atingindo, até agora, 12 milhões de pessoas, é a aliança entre o mau-caratismo oportunista e os seus apaniguados.

Essa gente merece o repúdio das ruas. É uma turma pequena que está sufocando um país imenso. Vem sufocando os aposentados, que ainda precisam trabalhar para completar suas rendas. Sufoca as mulheres, que querem conciliar um serviço de horário flexível com a atenção aos filhos. Neste momento, está asfixiando cinco milhões de jovens, tirando-lhes o que os move: o entusiasmo do momento presente, as melhores perspectivas do amanhã.

 

Paulo Solmucci é presidente executivo da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes

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