Em vez de acabar, por que não começar tudo em pizza?

Aproveitando o ensejo do Dia Mundial da Pizza, 10 de julho, o cronista conta a provável origem da expressão "tudo acaba em pizza" antes de narrar a história dessa preferência mundial, do Egito aos dias de hoje

Meia margherita, meia mortadela. Foto: João Alexandre

Conta-se que na década de 1960 aconteceu uma reunião tensa na sede da Sociedade Esportiva Palmeiras, em São Paulo, para resolver uma crise interna na cúpula do time. A reunião estendeu-se por mais de 10 horas e, é claro, bateu a fome. Os dirigentes teriam então se dirigido a uma pizzaria para comer e continuar a discussão. Algumas publicações contam que eles não foram à pizzaria, mas pediram algumas pizzas para comer no local. Ao final da comilança, a crise foi debelada.

O jornalista Milton Peruzzi, da Gazeta Esportiva, acompanhou tudo. E noticiou o fato com o seguinte título: “Crise do Palmeiras termina em pizza”. Assim teria nascido a famosa expressão “tudo acabou em pizza”. A expressão se tornou símbolo de negociatas e desfechos muitas vezes discutíveis. Mas que culpa tem a pizza?

Todo mundo gosta

A pizza é um sucesso no Brasil e no mundo. E no último dia 10 de julho foi comemorado o Dia Mundial da Pizza. Homenagem merecida. Li recentemente que, depois do arroz, a pizza seria o produto mais consumido no planeta. Quem resiste a um disco de massa tenra e com borda crocante, coberto com molho de tomates e, sobre ele, ingredientes diversos, que podem ser queijos, anchovas, vegetais frescos, embutidos, frutos do mar, etc.?

O Brasil está entre os países que mais consomem pizzas no mundo. Segundo levantamento da ECD Food Service, empresa especializada em consultoria no mercado de alimentação, o Brasil produz cerca de 1,5 milhão de pizzas por dia. Figura ao lado de países como a Itália, França, Espanha e Austrália. O maior consumidor mundial de pizza são os Estados Unidos.

A história

A história da pizza se confunde com a história do pão. A invenção é atribuída aos egípcios, que por volta do século III a.C. dominaram o processo de fermentação das massas. Historiadores informam, porém, que os antigos habitantes da Mesopotâmia já misturavam trigo e água e assavam essa massa sobre pedras quentes ou cinzas. Eles produziam uma espécie de pizza pré-histórica.

Focaccia: massa mais grossa e menos cobertura que a pizza. Foto: João Alexandre

Os romanos faziam discos de massa e os usavam como pratos, para servir preparos suculentos. Mas não os chamavam de pizza. Foi apenas no ano de 997 que a palavra “piza”, em latim medieval, aparece pela primeira vez na Itália. Ela foi usada para designar uma focaccia. No século XVIII, com a invenção do forno a lenha com boca em formato de meia lua, a pizza se colocou no caminho da versão atual.

Inicialmente chamada de picea em Nápoles, a pizza começou a ser vendida nas ruas da cidade a partir de 1.700. Sobre ela eram servidos ingredientes como peixes, vegetais, queijos e toucinho. Com a introdução dos tomates no cardápio europeu, o ingrediente se tornou parte importante dos componentes básicos das redondas.

Apesar de intimamente ligados à culinária italiana, os tomates não são originários da Europa, mas das Américas Central e do Sul, onde eram amplamente utilizados nas culinárias dos Maias, Incas e Astecas.

O irresistível pedaço de pizza bem coberta, Foto: João Alexandre

O tomateiro foi levado ao velho continente por conquistadores espanhóis, no início do século XVI. Inicialmente, o fruto era considerado venenoso na Europa e o tomateiro era plantado apenas para fins ornamentais. Somente no final do século XVII é que o tomate passou a ser consumido – inicialmente na culinária napolitana, na Itália. E aí conquistou toda a Europa.

Em 1738 abriram-se as portas do forno Port’Alba, em Nápoles, o primeiro a produzir pizzas para os ambulantes. Em 1830, a casa passou a servir o produto em mesas, no interior do local. Estava oficializada a primeira pizzaria estabelecida do mundo. Em 1889, o pizzaiolo Raffaele Esposito criou uma pizza com tomates, queijo muçarela e manjericão, as cores da bandeira italiana. O preparo foi oferecido à rainha da Itália, Margherita di Savoia. Estava criada a rainha das pizzas italianas.

Pizza hoje

A criatividade é um ingrediente importante no preparo de pizzas. Muita coisa pode ser colocada sobre ela. As pizzas mais consumidas no Brasil são as de calabresa, portuguesa, margherita e frango com catupiry. Há versões regionais do produto. No Rio Grande do Sul, por exemplo, se faz pizza de coração de frango. Em Santa Catarina, com linguiça Blumenau. Pelo Brasil também se produzem pizzas com carne seca e estrogonofe.

Pizza e vinho

O vinho Bassetti. Foto: João Alexandre

Diversos vinhos podem combinar com pizzas. Depende do sabor. Há uma lógica que ajuda muito. Pizzas leves combinam com vinhos leves. Assim, pizzas de queijo muçarela, margherita, de vegetais em geral, anchovas, atum, ovos, frango e fiambres como presunto e lombo vão bem com vinhos brancos e rosados. Pizzas mais intensas combinam com vinhos intensos. Redondas de cogumelos, pimentões, bacon, calabresa e gorgonzola, por exemplo, combinam com vinhos tintos. Pizzas doces vão bem com vinhos doces.

O estilo e o corpo do vinho dependem do tipo e da complexidade da pizza. Quanto mais intenso o sabor do ingrediente principal ou do conjunto, mais intenso deverá ser o vinho.

Quando, numa mesa grande, são pedidas pizzas diferentes, o jeito é buscar um vinho que nem massacre as mais leves, nem desapareça ao lado das mais intensas. Fica difícil pedir um vinho diferente para cada pizza.

Vinhos rosados são uma boa saída. Mas nem todo mundo gosta. As pessoas costumam preferir tintos. A saída, então, é pedir um tinto leve, com boa fruta e taninos macios. O vinho pode ser de várias uvas: Gamay, Pinot Noir, Merlot, Sangiovese, Barbera, Bonarda, Castelão Francês, Touriga Nacional, Tempranillo. E até mesmo Malbecs e Cabernets Sauvignons não muito encorpados.

Pode-se dizer que a pizza é um produto extremamente democrático e livre de qualquer culpa ou cumplicidade com decisões discutíveis que ocorrem ao redor dela. Esse disco de massa coberto com ingredientes saborosos alegra paladares e pessoas no mundo inteiro. Proporciona animadas reuniões familiares, encontros buliçosos de amigos e o início de tantos amores. Sendo assim, por que não buscar uma alternativa à velha máxima criada na década de 1960? Muita coisa boa acontece ao redor de uma pizza. Então, olhando por outro ângulo, por que não começar tudo em pizza?

Provei esta semana um vinho catarinense para fazer uma síntese em meio a uma rodada de pizzas diferentes. Um rótulo frutado, agradável, versátil e muito bem feito.

Eli Pinot Noir 2019 – Villaggio Bassetti – São Joaquim – SC

100% Pinot Noir. Vinificação com leveduras selvagens. Sem passagem por barricas. Cor rubi-violácea leve, típica. Gostosos aromas de frutas vermelhas, morangos, framboesas, ameixas vermelhas. Aroma muito limpo e vivo. Boca fresca, acidez gostosa, taninos suaves, médio corpo, equilibrado, boa persistência (www.villaggiobassetti.com.br).

* João Alexandre é jornalista, cozinheiro e sommelier. @joao.lombardo

Pizza de calabresa, uma das mais consumidas no Brasil. Foto: João Alexandre
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