22 de abril: o dia do início da mistura

Inicialmente, era só uma postagem no Facebook. Até perceber que, acrescentando mais alguns ingredientes, dava um artigo. Então, lá vai ele aí abaixo:

Me espanta como o politicamente correto aboliu o 22 de abril do calendário… Aliás, abrindo um parênteses, um dia iremos descobrir o quanto há de absurdamente autoritário na boa intenção do politicamente correto. Que a correção não poderá jamais vir da proibição, da criação de index que nos diga o que podemos dizer ou deixar de dizer, escrever ou deixar de escrever. Um dia, muda a maré do mundo – e ela já está mudando – e o index muda com ela também. Mas, aí, já será tarde. Já teremos legitimado a criação do index…

Voltando ao 22 de abril. Ok, ninguém descobriu nada no 22 de abril. Já havia muita gente vivendo antes no Brasil. Começam a surgir vestígios da existência de grandes civilizações pré-colombianas na Amazônia. Além das diversas civilizações indígenas. Há evidências de que outros navegantes já tivessem passado por aqui antes: vikings, fenícios e até mesmo expedições europeias contemporâneas a ele antes da chegada de Cabral. Tanto outros portugueses como espanhóis.

Nada disso, porém, desfaz o fato de que somos o que somos – para o bem e para o mal – porque aquele grupo de portugueses por aqui chegou e por aqui se estabeleceu. Desde o pedido de emprego para o sobrinho na carta de Pero Vaz de Caminha… O primeiro registro da troca de favores que vai se ampliando até chegar às propinas, sítios, triplex, etc, das delações da Odebrecht e demais empreiteiras.

Somos o que somos também pelos índios que aqui já habitavam. Somos o que somos pela chegada dos africanos escravos. Pela vinda mais tarde dos imigrantes.

Somos o que somos por tudo o que há de belo e de feio nessa história. Pela poesia de Camões e de Pessoa. E também pela crueldade suprema da escravidão. Pela fantástica aventura das grandes navegações. E pelos índios covardemente dizimados. Pela vinda da família real portuguesa. E pelo fato de que ela fugiu com medo de Napoleão.

Somos o que somos porque dessa mistura nasceu o samba. O chorinho. O carnaval.

Nasceu também a burocracia estatal. A corrupção da elite política. O patrimonialismo.

As festas de São João. As roupas do couro do cavaleiro sertanejo imitando o cavaleiro medieval. A procissão do fogaréu.

O “sabe com que está falando?”. O racismo. A tortura…

Se ninguém mais quiser comemorar o Dia do Descobrimento, se de descobrimento, não houve nada, que comemore o Dia do Início da Mistura. O dia em que começamos a ser o que somos. Com nossas qualidades e nossos defeitos… Aliás, não há nada mais brasileiro do que dizer que “não há nada a comemorar” no dia 22 de abril…

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