Por que as panelas não batem como antes?

Portaria do Setor de Inflamáveis em Brasilia

Não me perguntem que país é esse – mas seu estrato nas redes sociais, que são a voz filtrada e possível de ser ouvida de um povo muito esquisito, ou seja, nós – beira o non sense e o universo paralelo. Todos sabem, a essa altura, no oitavo dia de greve – que, além de sermos o país do meme e de, felizmente, ainda termos a capacidade de rirmos da nossa desgraça, que Temer perdeu completamente a capacidade de governar. A república do PMDB e agregados – os fiapos políticos Temer, Jungmann, Marun, Padilha, Moreira e os fardados Joaquim Silva e Luna e Sérgio Etchegoyen – já é tratada, no caleidoscópio das redes sociais, como uma espécie de governo de mortos vivos. As panelas bateram timidamente enquanto Temer capitulava ao vivo no Fantástico, entregando anéis e dedos, carpos, metacarpos e falanges. Mas o corte de 46 centavos por litro do diesel cobrado direto na bomba, entre outras concessões – todas interessantes para os donos do negócio, e encampadas, cordeiramente, por quem está na boleia -, não surtiu efeito imediato, como já se percebe. A greve pode acabar nas próximas 24 ou 48 horas, mas o governo já acabou. Nem será preciso uma sequência de novas greves, ou uma greve geral para fazê-lo despencar no terceiro andar do Palácio do Planalto. Já caiu. A dúvida é apenas se chega ao fim do mandato – Meirelles devia tirar férias permanentes em Genebra – ou se o país partirá para uma ruptura. As redes sociais refletem esse brainstorm sem genialidade.

O surto do governo parece não ter limites – e sua publicidade segue numa realidade paralela. Nas redes sociais, uma série inacreditável colocada no site do Planalto, sempre com um caminhão parecendo um Matchbox, em diversas cores, enfileira diversas frases como “As viaturas policiais não podem ficar sem gasolina”, “As ambulâncias não podem ficar sem combustível”, “A água precisa ser tratada”, “Os doentes não podem ficar sem remédios” e “As crianças não podem ficar sem creches”, satanizando os mesmos caminhoneiros para os quais o governo se ajoelha. Nos jornais, um anúncio mostra uma mulher num supermercado cheio, com o tal V da vitória que Temer insiste em adotar, e a frase “Avançamos com o Brasil – 2 anos de conquistas e de muito trabalho”.

Não é que Temer não seja Lula, o ex-presidente e líder sindical preso, que já estaria a essa hora abraçado nos caminhoneiros, tomando chimarrão e, quem sabe, uma pinga – não darei o gosto dessa comparação, não agora -, é que Temer não percebeu, desde o início, que seria preciso uma voz carismática, que nunca teve, e uma compreensão da multiplicidade de vozes nas estradas – os chamados caminhoneiros autônomos, sabe-se lá quantos entre os 700 mil que teriam aderido ao bloqueio, e que se transformaram em centenas de líderes postando vídeos país afora. “Cada bloqueio tem seu líder”, explicou um deles a Josette Goulart, da Piauí, que acompanhou alguns dos grupos de WhatsApp. Acompanhei dezenas de vídeos no Youtube sobre o assunto, e o diagnóstico é parecido. Nesse país flertando com o caos, pipocam a todo instante vídeos com centenas de milhares de visualizações – entre 200 mil e 500 mil -, postados por caminhoneiros anônimos, ou porta-vozes de caminhoneiros. E tente buscar coerência entre eles, embora haja pontos de contato.

A maior parte dos vídeos mostra que os caminhoneiros têm ojeriza à cobertura da mídia – TV Globo, em especial. “A Globo mente” é a expressão mais usada. Eles vêem a mídia falar em desabastecimento, mas nunca tentar enxergar o seu ponto de vista, seus dramas nas estradas esburacadas, nos pedágios caros e nas muitas horas sem dormir – sobre isso um “comediante”, Maurício Meirelles, outro ex-CQC da geração Danilo Gentili, sugeriu ao governo que distribua bolsa-putas e bolsa cocaína para melhorar a vida dos motoristas que hoje tomam uma anfetamina popularmente conhecida como rebite. Outra coisa em comum, assistindo algumas dezenas de vídeos, é uma admiração bem ampla ao capitão-presidenciável Bolsonaro, um dos poucos a postar um vídeo apoiando os caminhoneiros – no canal Patriotas, com mais de 500 mil visualizações -, e, embora as Forças Armadas tenham sido chamadas para reprimir o movimento, e encerra-lo, num primeiro momento, até que o governo decidiu tentar o acordo ao invés dos tanques, percebe-se uma certa tara por intervenção militar. A ponto de pintar a frase nos vidros dos carros. Um certo portal no Youtube, chamado DesbravaTube, de tendências golpistas, conseguiu 200 mil visualizações num vídeo entrevistando caminhoneiros e tocando o Hino Nacional.

Manifestantes fazem protesto em frente ao Congresso.

Coisas do mundo virtual, o personagem mais defenestrado nos vídeos é Rachel Sheherazade, apresentadora do SBT e musa da direita, que usou um vídeo para criticar duramente o movimento. “O que querem os caminhoneiros com essa greve absurda?”, pergunta ela. Em todos os vídeos há uma evidente politização do movimento, por parte dos caminhoneiros, de forma autêntica e não manipulada, que, ao perceberem sua força, deixam de falar só em preços do diesel e pedágios. Falam de basta na corrupção e, nesse caso, “fora Temer”. Não vi um único vídeo criticando o PT ou Lula. Mas tampouco vi #lulalivre. De um modo geral, são vídeos, do meu ponto de vista, preocupantes. Não mostram desesperança, mas mostram esperança…na coisa errada. Esse estranho viés de intervenção militar não soa bem. A idiotice está bem resumida num vídeo de um certo Sargento Roseno, fardado para a guerra, que, do banco de trás de um carro – esse pelo menos tinha combustível – diz que o ministro da Defesa foi encurralado pelos caminhoneiros e que “o ferro pode entrar a qualquer momento”. O post está no canal JefãonoFuscão e tem quase 500 mil visualizações. Qualquer que seja a solução dos próximos dias, essa é a pior, disparado. Ah, e o vidente paranaense Carlinhos, com 400 mil visualizações, garante que Temer não fica até o fim.

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