O problema da capitalização não é de onde sai, mas para onde vai o dinheiro

Rogério Marinho, do Ministério da Economia, fala sobre a Nova Previdência na Comissão Especial da Câmara - Foto Orlando Brito

O consumidor é quem paga o fundo de capitalização. Nem o empregado nem a empresa.

O depósito da fatia salarial que vai para a previdência, seja público ou privado, de repartição ou capitalização, sai do fator trabalho que compõe o preço dos produtos ou serviços, junto com os outros dois fatores da produção, capital e matéria-prima. Portanto, discutir quem vai botar esta ou aquela parte da contribuição é conversa fiada. (Esse dinheiro está fora da mais-valia).

O problema não é de onde vem o dinheiro, mas para onde vai nos 30 anos de espera, antes de chegar ao bolso do aposentado. Essa viagem da fonte até o destino tem sido a tragédia das finanças de fundos públicos, desviados de aplicações produtivas para sacos sem fundo, pela gestão perdulária de gestores de estado, ávidos por dinheiro bom para pagar contas de despesas correntes e investimentos, normalmente desnecessárias.

JK e os IAPs

Os fundos previdenciários foram os mais castigados desde de quando JK invadiu o caixa dos IAPs para construir Brasília. Naquele tempo, como nas vezes seguintes, a justificativa era de que os recursos seriam ressarcidos ao longo dos anos, com retorno de aluguéis, dividendos ou juros. Nunca mais se lhes viu a cor.

“O problema não é de onde vem o dinheiro,
mas para onde vai nos 30 anos de espera”.

Outra dessas vítimas, o Fundo de Garantia por Tempo do Serviço, o FGTS, nos anos que alimentou a indústria da construção civil, nas décadas dos 1960 a 1980, engordava os cofres do Banco Nacional de Habitação, o BNH. Na hora de pagar, a classe média chiou, pulou, fez passeata e acabou levando os imóveis, enquanto os recursos dos trabalhadores entravam pelo ralo. Sobrou, uma vez mais, para o Tesouro tapar o rombo.

Matriz da Caixa Econômica Federal

O problema da capitalização, na verdade a criação de fundos de previdência complementar privados, não é, como se ouve em muitos discursos, atender à voracidade dos bancos. A privatização, na verdade, neste caso específico, é uma trava ao avanço dos governos nesses fundos que estariam, em tese, à sua disposição.

Neste sentido, se bancos entrarem no negócio, como se diz, ninguém duvida que as gestões serão atribuídas ao Banco do Brasil ou à Caixa Econômica Federal. Alguém duvida?

Primeiro, Collor…

Para concluir, vale perguntar por que estariam as grandes estatais e outras empresas privadas de grande porte caladas? Na moita? É que essas empresas privatizaram as aposentadorias de seus funcionários desde que se criou a legislação de previdência complementar em 1978, para acolher os funcionários das estatais que passavam de estatutários para CLT.

Essas empresas criaram fundos de aposentadoria abrigados em fundações, controladas pelo Tribunal de Contas da União, com vantagens tributárias, e se converteram numa das maiores fontes de capital de longo prazo do País, ao lado do BNDES e de outros bancos públicos de desenvolvimento (Banco do Nordeste, BRDE, bancos estaduais etc.).

Ex presidente Collor

Dez anos depois de criadas, essas fundações e os fundos de grandes empresas particulares (Gerdau, Aerus, Capemi etc.) já representavam 5% do PIB, verdadeiras potências econômicas. Como a maior parte vinha dos cofres das estatais, o governo Fernando Collor, apertado nas finanças, resolveu seguir o exemplo de meter a mão nos fundos tidos como públicos.

Deu com a cara na porta. Embora o fundo fosse patrocinado pelo Estado e pelo Tesouro, em última análise, suas reservas não eram públicas, mas de fundos privados, em nome de cada participante. Não adiantou espernear, o dinheiro não foi para os cofres do Banco Central para tapar buraco da administração federal.

… depois, o PT

Depois o governo deu outro avanço em cima dos fundos das estatais, querendo converter seus ativos em reservas para a realização da política monetária do governo. Os fundos seriam desmembrados do Ministério da Previdência, onde eram subordinados à Secretaria da Previdência Complementar, migrando para a administração do Banco Central. Aí o perigo foi maior.

Por seu lado, o sistema se defendeu. Um grande aliado foi o então ministro da Previdência, ex-deputado e ex-governador do Rio Grande do Sul, Antônio Britto. Ele fechou a porta, enquanto o segmento se organizava com a Associação Brasileira de Entidades Fechadas de Previdência Complementar, a ABRAPP, liderada pelo engenheiro da Embratel, Mizael Matos Vaz. As fundações foram à luta, enfrentando, inclusive, uma CPI.

Ex-ministro da Previdência, Antonio Britto

Neste episódio da CPI foi muito curioso observar como a esquerda, que era virulentamente contrária aos fundos, pois qualificava o sistema de privatização como uma forma de dar dinheiro aos bancos, mudou de lado quando percebeu que ali estava um espaço para o sindicalismo se expandir. Foi o então deputado Luiz Gushiken (PT/SP), bancário profissional, oriundo do Banespa, então patrocinador de um poderoso fundo de aposentadoria de seus empregados, percebeu que estava dando tiro no pé e passou a defender a independência dos fundos.

Não se passaram muitos anos antes de os sindicatos da CUT conquistarem posições importantes nessas entidades.

As fundações hoje estão quietinhas. Melhor não meter a mão nessa caixa de marimbondo, como a dizer, os estatutários que cuidem de si.

Deixe seu comentário