É um espanto quando você descobre que é a mercadoria do negócio!

O autor assistiu a'O Dilema das Redes, de Jeff Orlowski, e, como a maioria, espantou-se. Somos massa de manobra de meia dúzia de novos bi(tri)lionários. Para evitar ser (totalmente) fisgado pelas redes (anti)sociais, o jornalista criou um decálogo para quem não quer se tornar um idiota da internet. E, para quem já o é, livrar-se das garras dos senhores da informação. Ah, não se esqueça de dar um like

Cena de Game of Thrones - Foto: HBO/Divulgação

Está no ar na Netflix o documentário O Dilema das Redes, de Jeff Orlowski, para espanto de nove entre dez espectadores. Depois de ver o filme, até George Martin, o criador do Game of Thrones, disse que o filme o assustou “mais do que qualquer filme de terror que vi nos últimos 20 anos”.

A reação de Martin é a que se espera de qualquer pessoa, hum, pensante! Construído com entrevistas de alguns dos criadores das maravilhas tecnológicas e ex-executivos das grandes redes sociais, o documentário demonstra que, para essas redes, nós somos meros usuários. Os cartéis da droga é a outra indústria que nos trata apenas como usuários.

Se quase tudo nas redes parece gratuito, você está enganado. Alguém paga. Os anunciantes pagam para que você viva pendurado o dia todo no Facebook, no Twitter, no WhatsApp. Você é a caça, o produto do negócio. Cada clique que você dá ou cada “escolha” que você faz de um texto ou de um vídeo, induzido pelos algoritmos das redes, é contabilizado a favor dos anunciantes. Grite socorro! porque você virou a mercadoria desse mercado.

O funcionamento das redes é baseado nos famosos algoritmos, sequências de instruções que rodam os programas de computador. Os algoritmos vão se tornando cada vez mais sofisticados e mais “inteligentes”, com base nos dados que as redes recolhem a toda hora sobre você: hábitos, gostos, desejos, preferências, orientações, relações de parentes e amigos etc. etc., o escambau. Acredite, as redes conhecem você mais do que a sua cara-metade e, até parece mentira, mais do que você mesmo! É por isso que elas manipulam você a toda hora. Você virou um zumbi digital!

Cena de O Dilema das Redes, de Jeff Orlowski, na Netflix

Polarização – Para as redes a verdade não existe, é relativa. Se você se informa pelo Facebook, as notícias sobre o aquecimento global que você recebe dependem do local onde você está. Se mora num bairro em que a população é mais de direita, você receberá notícias que questionam a realidade do aquecimento global. Se a sua quadra tem mais gente de esquerda, provavelmente receberá notícias com a Greta Thunberg. Como você tende a repassar as informações recebidas, gerando mais e mais cliques, os anunciantes lucram cada vez mais com isso. E é exatamente por essa razão que as redes induzem a polarização ideológica e política da sociedade. Elas dividem a sociedade em duas metades para reinar melhor.

Na verdade, a coisa é um pouco mais complexa. As redes trabalham para criar, agora de maneira acelerada, exponencial, o que o sistema capitalista já fazia desde sempre: a criação de novos desejos como se fossem novas necessidades. As redes manipulam os seus desejos, transformando você no produto a ser vendido aos anunciantes. A ridícula ideia do livre arbítrio é, na era da redes, ainda mais ridícula!

A polarização induzida pelas redes sociais, caça-níqueis de âmbito global, conformou o que uma das entrevistadas para o documentário, a professora Shoshana Zuboff, da Harvard Business School, chama de “capitalismo de vigilância”. Zuboff definiu as três leis que amarram o sistema: 1) tudo o que pode ser automatizado será automatizado; 2) tudo o que possa ser informatizado será informatizado; 3) todos os aplicativos digitais que podem ser usados para vigilância e controle serão usados para vigilância e controle. Nesse sistema, o indivíduo está sendo reduzido a um mero fornecedor de dados para os grandes conglomerados digitais. Estamos nos tornando zumbis digitais, obedientes às ordens configuradas pelos algoritmos.

É fácil perceber as consequências dessa polarização no funcionamento dos sistemas democráticos e até mesmo nas unidades nacionais. A noção de comunidade foi para o espaço e o resultado previsível só pode ser a guerra civil.

Maravilhas caras – O “dilema” do título do documentário tem a ver com o fato de que a era da Internet revolucionou as comunicações, propiciando ganhos antes inimagináveis. Você pode falar com qualquer pessoa do outro lado do planeta (se acreditar que a Terra é redonda, é claro). Se estiver com fome e sem saco para cozinhar, você recebe o prato de sua escolha em menos de uma hora, bastando fazer o pedido pelo iFood, por exemplo. Você tem acesso a milhões de livros, filmes e músicas online. Sendo da época da Barsa ou da Mirador, agora você faz consultas instantâneas sobre qualquer assunto. Você pode visitar  as galerias de museus dos grandes centros. Pode ler os jornais de qualquer capital do mundo, mesmo sem saber o idioma local, bastando acionar um programa de tradução. E por aí vai. Mas, porém, contudo, todavia, todas essas maravilhas têm um preço – você vai se tornando um zumbi digital!

Escrevo essas observações a sangue frio, sem muita sistematização. Se arranjar tempo, talvez eu escreva uma resenha mais elaborada do documentário, acentuando os dilemas éticos que agora assolam alguns dos criadores das redes sociais, transformadas em monstros sem controle dos governos ou controladas pelos governos para dominar as suas populações.

Jaron Lanier

Por enquanto, além de sugerir que vocês leiam o livro de um dos entrevistados, Jaron Lanier (Dez argumentos para você deletar agora suas redes sociais, Intrínseca, 2018), listo algumas dicas para que você tente escapar (mais ou menos) das garras das redes sociais, supondo que você não vai mesmo descartar por enquanto o WhatsApp, o Youtube ou o Facebook:

1) Admita que você está viciado nas redes! Tente ir se livrando do vício, ouvindo mais música, lendo mais livros, pintando o sete a mais!

2) Substitua o Google pelo Qwant, um navegador mais seguro em termos de privacidade. E descarte os aplicativos que você quase nunca usa. Depois, vá também se livrando dos outros, gradativamente.

3) Desligue as notificações de seus aplicativos, evitando ser acionado por eles. Retome o comando, pô! Vantagem: você vai recuperar um pouco da velocidade perdida do seu celular ou tablet.

4) Evite informar a sua localização nos aplicativos! Essa informação vale ouro para as redes!

5) Jamais marque as fotos de seus amigos nas redes. Procure dificultar o cruzamento de seus dados com os de seus conhecidos.

6) Fure a sua bolha! Passe a seguir pessoas de quem você discorda politicamente! Por óbvio, isso vai dar um nó nos algoritmos, demonstrando que você tem uma concepção mais universal sobre o significado de comunidade.

7) Não clique nos conteúdos recomendados pelas redes, como os vídeos do YouTube. Comande você mesmo as suas preferências! Aliás, lá vai a dica de um velho jornalista: evite as “notícias” fornecidas por blogues. Tirando as honrosas exceções de praxe, esses blogues, de direita e de esquerda, geralmente são especializados na produção de comentários histéricos sobre informações que eles catam nas publicações da grande imprensa. Ora, supondo que você não é idiota, por que não filtrar você mesmo (leitura crítica, lembra?) as notícias da grande imprensa, que, pelo menos, são apuradas por jornalistas profissionais?!

8) Procure usar as guias privadas do seu navegador. E, definitivamente, apague os seus dados pessoais das redes.

9) Proteja os seus filhos, netos e sobrinhos. Convide-os para assistir em família ao documentário O Dilema das Redes. Se você é da época em que havia controle sobre o acesso a certos programas de televisão, faça isso agora com as redes sociais. Está provado que um maior controle no acesso evita depressão e suicídios!

10) Por via das dúvidas, comece a se preparar para uma guerra civil! Nessa toada, é muito provável que os conflitos políticos vão se acirrar nos Estados Unidos e, por extensão, também no quintal do Brasil. Não sejamos ingênuos: a campanha do Bolsonaro para armar a população tem alvos óbvios: nós!

Se vis pacem, para bellum!

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