História: A inusitada descontração do general-presidente Ernesto Geisel

O passeio do presidente na Praia dos Artistas, em Natal. Foto Orlando Brito

O general Ernesto Geisel chegou à Presidência da República com a fama que sempre teve: a de durão. Era homem avesso às brincadeiras, pilhérias, piadas e chistes. De poucas palavras, ouvia mais que falava.

O pai, August Wilhelm, e a mãe, Lídia Beckmann, imigraram da Alemanha para o Rio Grande do Sul em 1883 e quiseram que os filhos, nascidos no Brasil, também freqüentassem a Igreja Luterana. Assim como Orlando e Henrique, dois de seus irmãos, Ernesto entrou para o Colégio Militar de Porto Alegre e mudou-se para o Rio, onde se formou na Escola Militar de Realengo.

Ernesto Geisel participou das revoluções de 1930 e 32. Ainda tenente, teve sua primeira função civil ao assumir a Secretaria de Fazenda da Paraíba, nomeado por Getúlio Vargas. Quando foi promovido a capitão, casou-se com a prima Lucy. Foi também um dos líderes do Golpe de 1964. Chefe do Gabinete Militar no governo Castello Branco, recebeu a missão de investigar as denúncias de crimes contra os direitos humanos nos quartéis do Nordeste.

Ao suceder o general Garrastazú Médici no Palácio do Planalto, Geisel demitiu os acusados da morte do jornalista Wladimir Herzog, em São Paulo. Tinha o propósito de promover a chamada abertura política. E deu uma surpreendente demonstração visual desse propósito deixando de lado sua antipatia à descontração. Durante uma viagem a Natal, no Rio Grande Norte, o rigoroso Ernesto Geisel caminhou tranquilamente de pela Praia dos Artistas, em frente ao Hotel dos Reis Magos, vestindo nada mais que um short de banho.

A história dessa foto – Trabalhando no jornal O Globo, eu era o fotógrafo designado para a cobertura da Presidência da República. Da mesma forma que os colegas de outros jornais, viajávamos a qualquer hora para todos os lugares. Essa visita de Geisel ao Rio Grande do Norte foi inesperada, e não tivemos tempo de providenciar reservas de hotel. Por isto, tive que pegar “carona” no quarto de colegas de outros jornais, os concorrentes, mas não inimigos. O quarto era pequeno e só me coube dormir num cantinho junto à janela, que dava frente para a praia.

 Às seis da manhã, fui acordado por um dos “donos” do apartamento assustados com o que estavam vendo: o general Ernesto de short na praia. Inexplicavelmente, nenhum deles teve a iniciativa de retratar o momento tão raro e simbólico. Não tive dúvida. Coloquei uma teleobjetiva de trezentos milímetros na minha inseparável câmara e fiz dois rolos de filmes, sem sair de onde estava. O primeiro, eu escondi entre as toalhas do carrinho da limpeza. O segundo, apresentei como único aos meus companheiros jornalistas.

Eu tinha receio de ter as fotos tomadas pelos seguranças. Qual nada. Fomos ao secretário de Imprensa do presidente, Humberto Barreto, para colher informações sobre a atitude do general. E ouvimos de Humberto que a cena aconteceu por pura intenção. Geisel queria dar sinal de que estava se despindo da farda para sinalizar novos tempos do regime militar.

Orlando Brito

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