Foto rara. Ou autógrafo versus selfie

Viajando pelo infinito universo da Internet em pleno clima de Copa do Mundo, deparei-me com uma raridade na página da amiga Denise Assis – brilhante jornalista e colega dos tempos de Jornal do Brasil – no FaceBook: essa foto aí, de autor desconhecido. Mostra os craques da Seleção Brasileira de 1958 Zito e Pelé caminhando tranquilamente pelas ruas de Estocolmo no mundial da Suécia.

Interessante como a imagem abre uma janela para vermos o quanto o mundo mudou nesses últimos 60 anos. Imagine você!, naquela época os jornais brasileiros nem publicavam fotos coloridas. As revistas sim. O Cruzeiro, de Assis Chateaubriand, e a Manchete de Adolpho Bloch. E isto me faz supor que o autor da foto seja Indalécio Wanderley, Gervásio Batista, ou Nicolau Drei, figurantes da lista de bambas do fotojornalismo daqueles tempos, que muito provavelmente foram cobrir a Copa da Suécia.

O choro do garoto Pelé, amparado pelo goleiro Gilmar, no Estádio Solna. Repare nesse fotógrafo de bigode, à esquerda da foto, ajustando sua câmara para registrar a cena dos novos campeões mundiais. É o lendário Jáder Neves, da revista Manchete. É possível até que o clic tenha sido feito por Luiz Carlos Barreto.

Mas suponho também que o autor da foto seja outro bambambam da época, o querido Jáder Neves. Aliás, convivi com Jáder em várias coberturas mundo a fora e Brasil a dentro. Figuraça. Contador de histórias verídicas e estórias exageradas, nem sempre verdadeiras. Estive dia desses com Gervásio, já velhinho, beirando 100 anos de idade e meu amigo. Pena, Gegê já não se recorda de com clareza de 1958 em Estocolmo. Porém, pode ser ainda que Luiz Carlos Barreto, destacado fotógrafo de O Cruzeiro, a tenha feito. Ele também estava lá.

Pela atenção que as outras pessoas também presentes na foto dão a Zito e Pelé, vemos que os nossos craques eram desconhecidos, ainda não famosos. Zito, meio-campo do Santos, era já quase veterano. O outro não. Era um rapazola que nem havia ainda completado 18 anos. Era Edson Arantes do Nascimento, o Pelé. Repare em dois detalhes: carrinho verde e a blusa amarela do menino que compõem a cena, como fossem referência às cores do Brasil. Fui checar no Google e constatei que a loja Húltens, de móveis e decoração, ainda existe.

Gol do Brasil. Pelé contra o País de Gales, em 1958, na Suécia – Foto de Luiz Carlos Barreto/Divulgação

Pelé viria ser essencial para o Brasil levantar com as mãos de Bellini, a Taça da FIFA pela primeira vez. Assim como Garrincha, Gilmar, Didi, Nilton Santos, Vavá, Zagallo e o próprio Zito. O senhor sueco de paletó e mãos no bolso, as mulheres e os jovens da foto nem perceberam que ali estava uma dupla de craques de encher os olhos. E outro homem, de costas, usando calça Lee e jaqueta de couro, sem dar a menor conta que cruzou com aquele que viria ser o maior jogador de bola de todos os tempos, o rei do futebol, o genial Pelé.

Hoje é impossível uma imagem como esta. O futebol resulta a grande estrela dos esportes, repleto de astros que frequentam o mundo da fama. O universo do futebol tornou-se milionário, bilionário em negócios e salário dos atletas, com patrocinadores de marcas internacionais, com interesse maciço da mídia. Aliás, dos 23 atletas que integram a Seleção que busca o hexacampeonato nessa Copa da Rússia, somente dois ou três jogam em times brasileiros. Os demais defendem grandes equipes da Europa. E até da China. O mundo mudou.

A própria Copa do Mundo também mudou, como agora se vê no Rússia-2018. Antes, as notícias sobre os jogos chegavam pelo rádio, viajavam de avião, no caso das imagens. Hoje, com a modernização da comunicação, a maravilha da televisão e a chegada da Internet, tudo chega aos olhos do planeta com extrema velocidade, em tempo real, pelo magistral processo digital.

Chegada da Seleção a Sochi: Neymar com o terno azul. Foto Lucas Figueiredo/CBF

Assim como os Jogos Olímpicos, uma Copa transformou-se não somente num show de competições, mas também numa imensa feira de produtos. Esses dois eventos são agora vitrine internacional para lançamento de produtos de toda ordem: material esportivo, moda para atletas, medicina, cronometragem, câmaras de vídeo e fotografia, eletrônicos, telefonia celular…

Centenas de craques ganharam brilho e passaram a existir como Pelés. São incontáveis Maradonas e Beckenbauers, Romários e Bebetos, Zidanes e Drogbas, Cristianos e Ronaldos, Saláhs e Bezenmas, Messis e Neymares. Os craques de hoje, ao contrário daqueles da Era Pelé, ostentam vistosas tatuagens espalhadas pelo o corpo, usam mochilas, tênis e bonés, cortes de cabelo assinados por famosos modistas, modelitos de grife e, claro, cercam-se de seguranças.

A ostentação faz parte do mundo que mudou. A firula é parte integrante e essencial para a nova geração de atletas. A discrição daqueles tempos realmente ficou para trás. Às vezes a gente fica com a impressão de que aparecer, ostentar, tornou-se mais importante que vencer.

Repare na simplicidade do uniforme de passeio de Zito e Pelé. Ambos usavam pulover de lá. Algo hoje considerado demodê. . Tenho a impressão que saíram pelas cercanias do hotel em que o time do Brasil se hospedava para umas comprinhas de souvenir, lembranças da Suécia. Agora não se vê um craque em pose natural, descontraída. Estão sempre com fones de ouvido ou telefone celular nas mãos e enfiados no exagero das cores de seu visual exótico.

Curioso… houve tempo em que os fãs tinham na estante um caderno com autógrafo de seus ídolos. Hoje, têm arquivo de selfies em seus tablets.

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