O guia imortal

É difícil entender o motivo de um segmento político ficar totalmente refém do Lula. Caminha com ele no patíbulo sem admitir outra possibilidade que não a unção do ex-presidente. Isso mesmo, a unção. Mas de onde vem essa crença? Talvez da nossa formação cristã. Afinal, o País é considerado a maior nação católica do mundo. Lula sempre contou com boa parte das chamadas comunidades eclesiais de base, apesar de ter o apoio de alguns poucos marxistas ateus. Pode ter vindo também da herança lusitana, que tanto moldou a nossa alma. Herdamos com certeza o sebastianismo, presente aqui em dois episódios violentos da história do Brasil: Canudos, na Bahia, e a Guerra do Contestado, em Santa Catarina.

Se faz preciso uma breve digressão para lembrar o que é o sebastianismo. É necessário uma entrada no túnel do tempo até voltarmos a 1554. Foi nesse ano, no Paço da Ribeira, em Lisboa, no dia 20 de janeiro, que nasceu Dom Sebastião, o rei menino, coroado com apenas 3 anos de idade, monarca de Portugal e Algarves. Ficou sob o manto de regentes até assumir definitivamente o trono com 14 anos. Era chamado ainda de O desejado ou O adormecido. Na ocasião, Portugal enfrentava a ameaça de invasão por outros países, como a Espanha, ou por muçulmanos, do norte da África. Com muito fervor religioso — um dos seus regentes era cardeal — e também aspirações militares, Dom Sebastião decidiu fazer uma cruzada contra os mouros. Acabou morrendo na Batalha de Alcácer-Quibir, hoje Marrocos, no dia 4 de agosto de 1578. Segundo alguns historiadores, o corpo nunca foi encontrado, dando margem a várias interpretações.

A histótica Batalha de Al´cacer-Quibir, na qual morreu Dom Sebastião.
De qualquer maneira, morria o rei, nascia a lenda. Os portugueses carentes de um líder, passaram a esperar a volta do rei menino. E assim surgiu o sebastianismo, que ajudou a forjar o sentimento de uma nação e das colônias. Na alma portuguesa, o sentimento da perda influenciou os maiores poetas lusos, como Camões e Pessoa, além de ser matéria básica para o fado.

Ora, mas o que isso tem a ver com o Lula? Como já dito, o sebastianismo deu com os costados aqui e também ajudou a forjar nosso caráter. Estamos sempre à espera de um rei, mesmo que fictício, ou um pai para os pobres. O maior exemplo do passado é o caudilho gaúcho Getúlio Vargas, louvado por alguns como o estadista que implantou as leis trabalhistas e protegeu os operários. Não importa que tenha sido também um déspota, que tenha prendido e matado seus opositores e que tenha sido o representante dos estancieiros num país quase feudal. Em parte, está na história como herói e protetor dos trabalhadores.

Getúlio Vargas. Foto Jean Manzon

O lulismo também nasce desse pensamento disforme que pede líderes que beiram o messianismo. Há também outro sentimento, esse com origem em uma das interpretações enviesadas do marxismo, na qual um operário, desde que seja um intelectual orgânico, pode levar a classe trabalhadora ao paraíso da igualdade, fraternidade e justiça social.

Uma professora — confesso que perdi o texto original, mas acho que era da Universidade do Estado do Rio de Janeiro — escreveu um artigo publicado na editoria de opinião do Correio Braziliense, no primeiro semestre de 2003, alertando para os ouvidos moucos sobre tudo o que o Lula falava (e como ele falava! Nunca desceu do palanque!) deixando explícitas nos seus discursos a homofobia, a misoginia e a falta total de qualquer embasamento ideológico. Certos segmentos da esquerda tentaram alertar para esse comportamento, mas o PT não admitia discutir. Quem criticava era de direita, e assim evitava-se qualquer debate mais inteligente. E a vida seguiu.
Hoje, o PT partiu para uma campanha de destruição da Justiça brasileira e de criar narrativas edulcoradas ao gosto do partido. A academia, sempre tão solícita para apoiar as teses do partido, contribui tentando transformar opinião em tese acadêmica. A história vai cobrar das universidades essa subserviência e a busca supremacista por meio de projetos tortos e enviesados. No momento, o partido evita discutir o futuro do País ou outras opções para ficar simplesmente refém do Lula. E parte para uma estratégia de marketing fantasiosa.
Nas últimas eleições presidenciais, em 2014, o publicitário e jornalista João Santana precisava enfrentar a rejeição à Dilma. E, de maneira absolutamente inteligente, associou a imagem dela às manifestações populares que pipocaram em todo o País, principalmente dos jovens. A foto oficial de campanha da presidente sisuda e mal educada passou a ser o retrato dela jovem e rebelde, combatendo a ditadura. Hoje, como farsa, a história se repete: o cartaz pedindo a libertação do Lula carrega a imagem de um líder operário combativo. Assim como o rei menino, o operário não existe mais. Só a lenda.
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