Crimes cinematográficos e uma visão da guerra no Rio de Janeiro

Chegamos a Hollywood. Chefões do crime metralhados espetacularmente, um deles em frente a um hotel de luxo em plena São Paulo, com figurantes (digo transeuntes) na linha de tiro, de fazer lembrar o diretor Brian De Palma e o astro Al Pacino em “Scarface”; outros dois abatidos numa operação de fazer inveja a Matt Nix de “X Man”, da Marvel, com rodopios de helicóptero particular em plena caatinga nordestina.

Tudo atualizado: as moderníssimas UZI e AK 47 no lugar das então charmosíssimas Thompson e pistolas Colt 45 dos velhos tempos, matraqueando na tela fazendo uma limpeza em regra. Como em Chicago dos anos 1930, a eliminação dos rivais deve ser em público para mostrar a toda a bandidagem o preço de pisar na bola.

Com essas peripécias, nossos malfeitores, que já foram larápios, promovidos a gatunos e, recentemente, bandidos, podem ter upgrade para gangsteres.

Na nova fórmula o matador do PCC, Gilberto Aparecido dos Santos, seria o charmoso Smoky (de Fuminho); o morto, Wagner Ferreira da Silva, o Cabelo Duro, seria chamado de Frizzi Hair. UM dos abatidos em Pernambuco, Jejê do Mangue seria Jub Mangrove (erradamente grafado como Gegê, que vem de Getúlio, mas Jejê de Jeremiah, de Rogério Jeremias Simone) e Paca ficaria com o mesmo nome que vale para as duas línguas (Fabiano Alves de Souza). A loura Débora, gata de Nem da Rocinha, nem precisa mudar de nome para se igualar à Michele Pfeiffer de Al Capone.

Só não abro mão e defendo que se mantenha em nosso idioma o nome castiço, lusitaníssimo, machadiano de Marcola, o Marquinhos de hoje para Marcos Williams Herbas Camacho.

Caricaturas à parte, a intervenção no Rio de Janeiro promete grandes emoções. Uma avaliação tática dessa operação em curso foi realizada por um dos maiores especialistas em reportagem policial da imprensa brasileira, o jornalista carioca radicado em São Paulo Carlos Amorim. Ele é um repórter de jornal e tevê, premiadíssimo como cineasta e diretor de documentários, mas que, neste caso, vale ressalta seus dois prêmios Jabuti por livros de referência sobre o crime organizado: em 1994 com “Comando Vermelho, a História do Crime Organizado”, “PCC a Irmandade do Crime”, de 2003, e “Assalto ao Poder”, também premiado com Jabuti, terceira obra da trilogia sobre a bandidagem nacional. Amorim publicou domingo à noite sua matéria.

Vou reproduzir aqui apenas um pedaço, para que os leitores tenham uma ideia do que vai acontecer no Rio, tirado de um trecho da reportagem de Carlos Amorim, limitada à parte que trata do enfoque tático da operação:

“No ambiente das forças de segurança, desenha-se um modelo de operações de combate ao narcotráfico. Tudo sigiloso. Sempre a portas fechadas. Tento aqui iluminar um pouco o palco das decisões. Na semana que vem, o interventor, general Braga Netto, chefe do Comando Militar do Leste, vai falar publicamente. E deve esclarecer, revelando muito pouco, qual o plano genérico de ação. Ouso apresentar os principais itens deste manual.

Foto Orlando Brito

Ao menos 20 mil homens das forças federais devem sem empregados. Acompanhem as etapas:

1. Cerco estratégico: vigilância e ocupação das principais rodovias de acesso ao Estado do Rio. Bloqueio de rodovias como a Dutra, a Rio-Santos, Rio-Bahia e outras menores. Bloqueio naval de áreas críticas, como as baias de Angra dos Reis, Parati e o fundo da Guanabara. Alguns navios de grande porte serão vistos. Vigilância e ocupação das principais vias de acesso à capital: as linhas vermelha e amarela, a Avenida Brasil, a zona portuária, a região do gasômetro do Rio e outras. As avenidas Presidente Vargas e Rio Branco, o Aterro do Flamengo e as praias. Nesta fase estarão presentes forças do Exército e da Marinha, além de cobertura aérea e fechamento espacial em algumas regiões. As polícias estaduais e rodoviária federal, com ajuda da Força Nacional, estarão envolvidas, principalmente na Baixada Fluminense, Niterói e São Gonçalo. A Polícia Civil deve aparecer em ações na Região dos Lagos, especialmente em Cabo Frio, Arraial do Cabo e Búzios. Bloqueios de fronteiras com Minas, Espírito Santo e São Paulo são espera-os e devem ser simultâneos, empregando forças locais.

2. Cerco Tático: o comando das operações deve selecionar algumas áreas críticas sob controle do narcotráfico e das facções criminosas, talvez quatro ou cinco das mais importantes. Tropas especiais (Brigada Paraquedista, Fuzileiros Navais e o Batalhão das Forças Especiais do Exército, por exemplo, as melhores forças disponíveis) devem ser empregadas nesta fase. O cerco é reduzido a uma comunidade, um bairro, algo como cinco ou seis quilômetros de extensão e largura. Aqui se empregam tanques e veículos blindados. Sob comando do Exército, entram forças como o BOPE e o CHOQUE da PM, que conhecem melhor o terreno, incluindo cães farejadoras. O cerco tático é para inviabilizar a fuga dos criminosos, que ficam restritos a um espaço mais controlado.

3. Operação de Comandos: a partir do cerco tático, grupos especiais, aerotransportados, desembarcam no centro do perímetro, estabelecendo uma base segura. Dispõem de grande poder de fogo. Das laterais, em cinco ou seis pontos diferentes, as forças entram na direção do centro da ocupação. Quando for possível, com blindados. Caso contrário, com as botas no chão. São grupos pequenos, do porte de um pelotão: algo como 20 homens. Em cada um desses grupos há uma metralhadora tipo SW240, 7.62mm. Um lançador de granadas, tipo RPG, 40mm, ou um lança-chamas. A convergência de todos os grupos para o centro do cerco tático vai produzir um enfrentamento cara a cara com os criminosos. E deve haver um grande número de baixas de parte a parte, com algumas vítimas civis.

4. Operação de limpeza: a última fase envolve uma operação de resgate de feridos e mortos, combate a incêndios, defesa civil e coisas do gênero. Inclusive recolher material bélico abandoado, como carregadores de fuzis e granadas não detonadas. É o rescaldo do conflito armado.

General do Exército, Eduardo Dias da Costa Villas Bôas. Foto Orlando Brito

Se o governo brasileiro optar por tal tipo de ação, talvez tenhamos algum resultado temporário na luta contra o narcotráfico. Mas teremos que assumir as baixas civis e convocar uma nova Comissão Nacional da Verdade para investigar as violações da lei nesse período. Foi o que antecipou recentemente o comandante-geral do Exército, o general Eduardo Villas-Boas.
Assumiremos o estado de guerra civil não declarado no país. Estaremos ao lado de Colômbia e México”.

A conferir

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