A volta do “nosso guia”. Ou, como diria a hiena Hardy, “Oh, céus”

Bolsonaro e três dos cinco filhos: Carlos, Flávio e e Eduardo

Antes de ser presidente da República, o capitão-mor Jair Bolsonaro é pai de cinco filhos. Três deles parecem exercer forte influência sobre as decisões do pai.

Portanto, a tríade de rebentos poderá dar mais do que palpites nos destinos da Nação. A partir de 1º de janeiro, quando papai Bolsonaro tomar posse como presidente da República, terão poder de fato.

Ninguém repreenderá um pai por ouvir seus filhos. No entanto, há uma diferença entre ouvir e conduzi-los porta adentro dos palácios de Niemeyer, em Brasília.

“Ele nos guiará”

Ernesto Araújo. novo ministro das Relações Exteriores. Foto Valter Campanato, Agência Brasil

A indicação do embaixador Ernesto Araújo como novo chanceler brasileiro foi orquestrada pelos pimpolhos presidenciais. Os assessores militares tentaram emplacar outro nome, mas, conforme descreveu o divergente Andrei Meireles, “o clã Bolsonaro venceu os generais na disputa pelo Itamaraty”.

Qualquer um pode desgostar dos milicos brasilianos, cujas fardas ainda recendem os idos de 1964. Principalmente nesses tempos em que generais parecem saltar dos quartéis diretamente para os mais altos postos da República, atiçando as vivandeiras de plantão.

Mas, certamente, os oficiais das Forças Armadas têm mais tradição na lida com questões internacionais do que os herdeiros do presidente eleito. Se não bastassem, não faltaria ao novo mandatário outros conselheiros para indicar nome com maior envergadura e experiência.

“Bolsonaro nos guiará”.
“Como não lembrar do ex-chanceler
Celso Amorim, que alcunhou
o presidente Lula de ‘nosso guia’?”

A julgar pelas posições políticas do novo ministro, o Itamaraty vai fazer uma conversão de 180 graus na política externa. Do bolivarianismo disfarçado para o trumpismo desavergonhado.

Donald Trump/Photo by Shealah Crajghead/White House

É o que se depreende da entusiástica defesa que o novo ministro faz do presidente dos EUA. “Somente [Donald] Trump pode ainda salvar o Ocidente”, pregou.

Se o viés ideológico da política externa foi invertido, a admiração endeusadora é idêntica. “A mão firme e confiante do presidente Bolsonaro nos guiará”, escreveu Ernesto.

Como não lembrar do ex-chanceler Celso Amorim, que alcunhou o presidente Lula de “nosso guia”?

Num setor onde é preciso circunspecção, ampla capacidade de diálogo e pragmatismo, pode não ser um bom começo. Mas, ao que parece, era exatamente isto que os três rebentos procuravam.

 

Eduardo Bolsonaro, atrás do pai Jair, na entrevista em que o presidente eleito apresenta Fraga de Araújo como novo chanceler. Foto Valter Campanato, Agência Brasil

Quem acompanhou até o final a entrevista coletiva na qual Bolsonaro pai anunciou seu novo ministro, observou a desenvoltura dos filhos. Sem se preocupar em interromper a fala paterna, Eduardo Bolsonaro, deputado federal recordista de votos, sopra alguma coisa no ouvido do pai.

Íntima desenvoltura também teve Carlos Bolsonaro, o filho marqueteiro. Mais de uma vez, ele repousa a mão esquerda, uma vez sobre as costas, outra sobre o ombro do capitão-mor, instando-o a deixar a coletiva.

Não foi a primeira vez que, consentidamente, eles se imiscuíram nos destinos da nação brasiliana. Não será a última, certamente.

“Não vai dar certo”

Jornalistas, bem como economistas e cientistas políticos, não costumam acertar prognósticos. Na verdade, em tempos de Donald Trump e Jair Bolsonaro, desprezados por 9 entre 10 periodistas, ninguém tem acertado nada.

A diferença é que alguns palpiteiros, chamados de consultores (ou advisers), conseguem convencer endinheirados a desembolsar cabedal para ouvir suas previsões. Mais das vezes, erradas.

Mas, como aqui nada se cobra, lá vai, não um palpite, mas uma suspeita. Não seria um despautério afirmar que, caso persistam em imiscuir-se no complexo e mutante enredo da política brasiliana, o trio de herdeiros pode chamuscar o papai-presidente – por conseguinte, o Brasil.

Se os filhos são muito novos, o pai deve se lembrar de Hardy, a hiena pessimista desenhada pela dupla Hanna-Barbera. “Oh, vida. Oh, céus. Oh, azar. Isso não vai dar certo”, repetia Hardy para o parceiro Lippy, o leão otimista.

O famoso bordão das crianças dos anos 1960, na versão em português, pode indicar apenas uma suspeita. Mas tem toda cara de mau presságio.

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