A direita sem Bolsonaro

Depois de duas décadas conduzindo os rumos do Brasil, a chamada esquerda foi substituída pela chamada direita. A alternância deveria ser fato normal numa democracia, pois há contingentes de brasilianos que apoiam as duas visões. Porém, deixando-se conduzir por um sujeito tosco como o atual mandatário, a chamada direita pratica a antipropaganda

O presidente Jair Bolsonaro e seu gesto bélico - Foto Orlando Brito

Se depender da chamada esquerda só haverá governantes de esquerda. Pela vontade da chamada direita só haverá direitistas governando o país. Os dois lados antagônicos lutam pela hegemonia absoluta, pois cada um tem a convicção de que sabe o caminho da salvação do povo e odeia tudo que vem do polo oposto.

Esta disputa insana interdita o debate e promove a intolerância. É insana porque cada lado se fecha apenas às suas verdades.

A síntese de pensamentos tão distintos como os da sociedade brasiliana é feita pela moderação eleitoral. O predomínio absoluto de um ou outro extremo conduz à instabilidade, pois o governante precisa atender a maior parte da sociedade, não apenas a um dos muitos lados.

O presidente Jair Bolsonaro representa a direita tosca. Caso fosse um direitista clássico, com convicções, base teórica e respeito aos valores democráticos, poderia tentar repetir o predomínio dos anos em que a chamada esquerda governou o Brasil – embora a alternância seja mais salutar.

Naqueles 24 anos, PSDB (naturalmente moderado) e PT (que buscou a moderação) impuseram suas convicções, mas não esmagaram os adversários. Na verdade, aliaram-se à parte da oposição.

Alternância rima com democracia

Grupos de extrema-direita protestam em frente ao Congresso Nacional, na capital da República – Foto: Orlando Brito

A alternância entre visões opostas é saudável. Pelo menos para quem acredita que nem tudo que vem das chamadas direita e esquerda é ruim. A presença estatal excessiva como normalmente propugna a chamada esquerda inchou o Estado e alimentou a corrupção. Menos Estado pode, assim, representar um avanço e uma folga para erários desguarnecidos. Como se sabe, a chamada direita tem mais desenvoltura para implementar a desestatização.

Desta forma, a mudança radical ocorrida em 2018, por meio do voto, representou um cansaço com o modelo anterior, que predominara por duas décadas. Noves fora a corrupção recorde personificada pelo PT.

O oportunismo eleitoral do capitão-mor e a ausência de estrutura partidária racional e representativa, entre outros fatores, tornou esta troca caótica. Não havia (e não há) um projeto de governo, mas um projeto pessoal de poder e de revanche. A direita tradicional – liberal na economia, conservadora nos costumes – agarrou-se a um outsider incapaz e autoritário, negacionista de evidências como o racismo.

Bolsonaro, no campo econômico, está mais para o estatismo do que para o liberalismo. Protege os privilégios dos servidores públicos quase da mesma forma como faz o PT. Sua visão sobre o meio ambiente provém do século XIX. A política externa não se move pelo pragmatismo, mas pelo obscurantismo. Seu falso desapego à política tradicional é nocivo, pois partidos integram os pilares da democracia. O apregoado combate à corrupção é tão falso quanto à inexistência do desmatamento e das queimadas que consomem a Amazônia e o Cerrado.

Onde está a direita?

Existe um contingente expressivo no Brasil que adota valores chamados progressistas, que propaga a diversidade e defende um Estado forte. Há outro Brasil, via de regra apegado à família tradicional, que apregoa o livre mercado e a concorrência como vitaminas ao crescimento econômico, além de métodos empresariais de gestão na administração pública.

Manifestação pró-Bolsonaro em Brasília – Foto: Orlando Brito

Ao persistir com um sujeito bronco como Bolsonaro para liderá-la, a chamada direita faz a antipropaganda, pois não basta ser antipetista para conduzir um contingente de brasileiros. Em verdade, é quase inacreditável que pessoas inteligentes, supostamente bem-intencionadas, se deixem conduzir por um sujeito do jaez de atual mandatário.

Não se fala aqui dos celerados obscurantistas que veem nele o dizimador de todos os valores da chamada esquerda. Nem de grupos de interesse específicos, como o de militares, que, fora a saudade de mandar no Brasil, como o fizeram na ditadura, abocanham vantagens concretas como soldos polpudos e reequipamento das Forças Armadas – afora a condução de políticas de Estado diversas.

A chamada esquerda soube se aglutinar e impor suas convicções durante 24 anos. E, apesar do vezo autoritário, sempre com o aval dos eleitores.

Caso queira mostrar como seria um Brasil moldado por seus valores históricos, a primeira atitude da chamada direita é livrar-se do boquirroto e os asseclas que o cercam. Mantê-lo na condução dos rumos do Brasil é apostar no atraso. A menos que não disponha de ninguém melhor para o cargo.

Mesmo enquanto enxugamos as lágrimas de nossas mazelas, como o racismo e a intolerância política, vale a pena rir um pouco. Cantando, para quem é de cantar; dançando, para quem é de dançar.

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