Quando o toma-lá-dá-cá pode tirar vidas

Votação no Congresso - Foto Orlando Brito

Com a faca no pescoço na votação do Fundeb e dos vetos presidenciais à desoneração da folha e ao marco do saneamento, o Planalto prometeu nesta segunda-feira aos líderes do Centrão liberar mais R$ 1 bilhão em verbas de combate ao coronavírus a prefeituras indicadas por deputados e senadores. Não sabemos quais serão os municípios que vão ganhar mais recursos, mas sabemos que não gostaríamos de morar naqueles que não vão receber. E por que não vão receber? Possivelmente porque o deputado que elegeram não é do Centrão e não apóia o governo Bolsonaro.

Arthur Lira, um dos líderes do Centrão, na cerimônia de posse de Fábio Farias no Planalto – Foto Orlando Brito

A lógica do toma-lá-dá-cá funciona assim. Mas o uso dos recursos do combate à pandemia mais mortal do século como moeda de troca política, tratado com tanta naturalidade no Executivo e no Congresso, deveria chocar e escandalizar. Afinal, estamos tratando de vidas. O dinheiro que deixou de ir para Cacimbinhas e vai para Rebimboca da Parafuseta porque o deputado deste último município é do Centrão pode salvar uma vida lá – e deixar de salvar uma acolá. Pior ainda se não salvar ninguém porque lá a pandemia já está controlada, apesar do esforço do deputado em mostrar que mandou recursos para seu município. E deixar morrer outros porque o município é de oposição.

O general Pazuello – Foto Orlando Brito

O início da pandemia coincidiu com o acordo do Planalto com o Centrão, e não são de hoje os comentários de que os neoaliados de Bolsonaro estariam levando vantagem na destinação de emendas e recursos para seus municípios. O Ministério da Saúde do general Eduardo Pazuello evidentemente desmentiu isso e assegurou estar usando critérios técnicos acertados com as secretarias de saúde dos estados e municípios. É possível mesmo que uma boa parte do dinheiro esteja sendo distribuído assim. Mas nada justifica que um centavo que seja para o tratamento da Covid-19 esteja chegando a uma prefeitura por razões políticas.

E a confirmação de que isso está acontecendo veio com a reportada insatisfação de deputados da nova base de apoio governista com a destinação dos R$ 5,7 bilhões liberados no início do mês pelo Ministério da Saúde. Na ocasião, ficou combinado que deputados aliados poderiam indicar o destino de cotas de R$ 10 milhões para diversas cidades. Eles assim o fizeram, mas na publicação dos valores com a destinação efetiva das verbas, nada batia com nada e eles ficaram revoltados.

Daí a nova oferta do articulador político do governo, general Luiz Eduardo Ramos, de mais R$ 1 bilhão a serem distribuídos com a mesma metodologia – se não houver nova trapalhada. Pior do que ser pego em atos explícitos de fisiologismo para garantir  votos no Congresso é ser pego nesses atos, levar o desgaste, mas não levar os votos. Pior do que tudo isso, porém, será ter notícias de que vidas de brasileiros se perderam porque seus donos moravam em municípios em que os deputados são de oposição.

 

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