Drogas e hipocrisia

Brasília, desde os anos 70, do século passado, sobretudo o Plano Piloto, sempre foi referência no consumo de drogas. À época de sua fundação, os filhos das elites política, administrativa e militar e seus agregados oriundos de vários segmentos de classe média, em toda sua estratificação social e econômica, sempre consumiram, com gosto e exagero, as drogas de sua época: maconha, LSD, anfetaminas e derivados, além do álcool, é claro.

Brasília, que tem em seu DNA a característica de metrópole experimentou, com alegria e êxtase, o “desbunde” dos anos 70. Anos maravilhosos… Vivíamos sob regime autoritário, com censura e repressão política. Mas não houve a mesma ênfase na repressão ao “desbunde” e à drogadição. Ainda bem, para muitos! Isso envolve uma geração, que optou por outra via, que não a investida frustrada, na utopia desvairada da luta armada contra o regime. Preferiram o esoterismo e as drogas. E, assim, caminhou nossa sociedade brasiliense, em trilhas consideradas alternativas entre “quebradas, festas e outras celebrações”.

Mas vieram outros tempos e o Brasil cresceu. Houve investimentos na infraestrutura, bem ou mal, o Brasil se interligou, as distâncias diminuíram, por conta sobretudo da indústria rodoviária e das telecomunicações.

O consumo de drogas aumentou. Sobretudo a maconha e a cocaína. O mercado local passou a ser promissor para os produtores, sobretudo para o mercado internacional. As drogas passaram a ser problema geoeconômico e a interessar muitas organizações criminosas, os cartéis e mesmo Estados.   A alocação de expressivos recursos orçamentários no combate ao narcotráfico não tem apresentado resultados significativos. Nessa guerra ao narcotráfico o Estado perde de “goleada”, pois utiliza estratégia e táticas equivocadas e ineficazes.

Existem muitos aliados, no plano nacional e internacional, interessados na rentabilidade inerente ao narcotráfico. Para esses interessados, não há portanto a necessidade de combatê-lo com eficácia. Ademais, os consumidores são muitos e, do ponto de vista comercial, quase imbatíveis.

Prevalece o consumo e o direito informal, embora não legitimados pelos Estados. Mas essa é outra conversa. O imenso mercado de consumo das drogas ainda não entrou de fato na agenda política governamental. Daí a infiltração do narcotráfico em vários segmentos dos Estados.

Essa é uma questão que, certamente, vai adentrar a discussão internacional, sobretudo agora que o Canadá tende a mudar sua posição em relação à maconha recreativa. Existe?!!.  De qualquer forma, essa estratégia vai estimular o turismo para o Canadá.

Ah, a Copa do Mundo de Futebol na América do Norte, certamente vai influenciar bastante essa discussão. O Canadá produz, legaliza, consome e exporta maconha para o maior mercado consumidor, os EUA, que, por sua vez, não tende a legalizá-la naquele imenso ambiente de consumo.

No México, país vizinho, submetido à pressão de grandes cartéis criminosos, a força de demanda para atender ao consumo pode estimular a concorrência entre produtores e distribuidores. Vamos ver como reagirá o Tio Sam, que tanto aprecia o THC de laboratório.

Uma questão que não quer calar vem à tona: como reagirão os grandes e poderosos laboratórios de produtos farmacêuticos e empresas de alimentos e bebidas, ante esse imenso mercado consumidor?

Será que vão abandonar essa oportunidade? Ou teremos maconha e seus derivados, desde medicamentos, biscoitos, farinhas, cigarros, bebidas, água, refrigerantes, energéticos, – de grandes marcas -, oferecidos pelos concorrentes e legitimados pela regulamentação governamental?

Tenho a impressão de que a segunda metade desse século diante de tantas mudanças, inovações, novos direitos e poderosos interesses econômicos globalizados, trará novas questões ao debate político e ensejará a regulamentação de novos mercados.

Mas, voltemos à nossa realidade tupiniquim, mais especificamente ao centro-oeste brasileiro, o coração logístico do país.

Por que crescem o mercado e o consumo de drogas no centro-oeste, pergunta-me um dedicado repórter de um expressivo jornal local? Cresce, basicamente, porque, além do encantamento provocado, faz parte da cultura brasiliense, é um “estilo de vida”!!?.

Mas cresce também porque, em várias regiões do entorno, o tráfico, mais do que o consumo, é relativamente, uma estratégia de sobrevivência econômica. O Estado é fraco, corrupto, o crime é organizado e a economia informal é forte.

A organização social desse ambiente marginal tem suas variantes culturais entre os grupos que atuam nesse mercado informal; há disputas pelo domínio de território, por acesso às armas, carros e mulheres, além do prestígio de pertencerem a quadrilhas organizadas e poderem ascender no mundo do crime e  tornarem-se líderes. Essas características incorporam um projeto de vida.

O que é, habitualmente, oferecido aos jovens nessas regiões não lhes interessa, pois escolas com currículos defasados, inexistência de empregos promissores, famílias desagregadas e muitos outros problemas têm intensidade e impacto variados nas decisões individuais.

Houve nos últimos trinta anos significativo abandono dos poderes públicos nacional, estaduais e municipais em torno de um projeto de nação voltado para a cidadania que contemplasse políticas familiares, educacionais, empreendedoras e de segurança pública eficazes e transformadoras.

Isso se misturou à lógica coronelista e com ranços inapagáveis de uma visão escravocrata e reprodutora de uma desigualdade social estrutural.

Para muitos, a saída para o futuro é o momento presente. Não deixa de ser sintomático que a expressão mais utilizada pelos jovens seja “véio” (velho), ou seja, tudo que o cerca é desdenhado, é velho. Ultrapassado. Obsoleto.

Não usam a expressão de um ídolo contemporâneo, um ancião de 76 anos “rei da jovem guarda”: “ é isso aí, bicho”. Expressão que marcou a época do “desbunde” e do início do consumo de drogas na capital.

O Brasil mudou – para continuar o mesmo?!. Não existe projeto de futuro. A mentira dos anos 2003 de que a esperança venceria o medo, deu lugar à sensação de insegurança e de medo de tudo.

O imaginário social hoje é preenchido por um vazio existencial assustador. Não existem bandeiras políticas. Não existem sonhos de futuro. Só pesadelos. O medo é real. Mesmo não sabendo de quê…

E ainda há quem ache que o jovem não consuma drogas, vivemos a geração do “conhaque com energético”. Tem até quem  misture Old Parr com Red Bull!

Muito bem, dito isso, a justiça brasileira é de uma lucidez social de dar inveja a Gengis Kan, isentíssima, inventou a famigerada audiência de custódia.

Não tenho certeza, mas acho que saiu da cabeça de um ex-ministro da justiça, que satanás o tenha, porque no céu dos cristãos, não consegue entrada.

Argumentava que era preciso descongestionar os presídios, superlotados à sua época;  hoje, mais ainda. Inventou os mutirões e fez uma péssima gestão na Justiça. Sua missão era outra…. Bem outra.

Sua obrigação seria proteger o “inocente” que, por nada saber, – nunca soube de nada– foi condenado, sem provas, a doze anos e alguns momentos de prisão e deverá ser premiado com mais algumas dezenas de anos de condenação injusta.

O chefe, dotado de uma imensa irresponsabilidade patológica, é apenas um coitado que comandou a ruína de nossa economia e criou um estilo ético próprio: “ a lei só existe para os outros, pra mim, não. Sou inocente, sou o único inocente nesse país”.

No Brasil tudo é injusto. Mas liberar traficantes com centenas  de quilos de drogas, fuzis e munição, não.  Mamãe desembargadora liberta filhinho querido. E outros grandes bandidos estão soltos, vivendo em balneários de luxo. Enquanto, uma pobre mulher que se apropriou de comida para os filhos é, exemplarmente, presa. Um usuário de maconha preso com uma “bagana” fica em cana. Juiz concede liberdade a assassino que anunciava o crime. O liberta para matar a mulher. Alegou que não tinha bola de cristal. E ficou tudo por isso mesmo. Esse é o Brasil!

As elites judiciárias com sua exegese burocrática e tendenciosa decidem a favor dos criminosos. Esse é o Brasil de 2018. Injusto e justo, de acordo com a hermenêutica burocrática dos “supremos”.

Finalizando, o Distrito Federal tem uma polícia civil muito competente. Seu desempenho profissional é exemplar no combate ao narcotráfico. Basta analisarmos as estatísticas de apreensão de drogas nos últimos anos.  Muito bem.  Vai continuar sendo exemplar e competente, mas e daí?

A questão é: dará conta de apreender toda droga que passa pela sua jurisdição, de prender usuários, porque esses vão aumentar?  A justiça vai continuar a aplicar uma das mais iníquas leis que esse país usa contra a cidadania – lei das Drogas, de 2006, cuja aplicação prende o pequeno usuário e liberta os grandes traficantes. Estes, mesmo quando presos, têm vida boa, porque têm dinheiro e bons advogados.

A insensatez e a iniquidade dominam o cotidiano desse país.

Ao respeitável repórter em cumprimento de sua missão profissional digo, sinteticamente: o consumo de drogas e prisão de usuários cresce no DF e em todo país em virtude de uma estratégia equivocada e ineficaz de combate ao narcotráfico. Há muita hipocrisia e insensatez no ar.

Antonio Testa, sociólogo

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