O que pode unir a intervenção no Rio à Lava Jato

Foto Orlando Brito

Aqui e ali tem gente avaliando e palpitando sobre as variadas intenções, as possíveis práticas, e as supostas consequências da intervenção federal na segurança do Rio de Janeiro.

Claro que o mais barulhento é o rame-rame nos quiprocós políticos de sempre, amplificados pelas redes sociais.  Ali, de fato, rola muita bobagem.

A turma pró Bolsonaro, por exemplo, aproveita o episódio no Rio para receitar a intervenção militar, na pegada da clássica propaganda da pomada Maravilha Curativa, como remédio para todos os males do país – da insegurança pública à corrupção.

Jair Bolsonaro com militares no Congresso.
Jair Bolsonaro com militares no Congresso. Foto Orlando Brito

Em um país com o nosso histórico de ditaduras, eles esquecem de advertir na bula que, aqui e alhures, a entrega do poder aos militares não é apenas um risco colateral, é a morte da democracia.

O bumbo contrário mantém a mesma batida de que qualquer ato de Michel Temer é ilegítimo e a intervenção na segurança do Rio mais uma etapa do golpe que derrubou Dilma Rousseff.

Com a cara mais limpa, argumentam também que foi a Globo – não existe enredo petista sem ela – que criou todo o clima de terror no Rio. Por essa nova narrativa, é manipulação, porque o Rio nem é assim tão violento.

O curioso é como essas coisas pegam. Tem gente que, semanas atrás, se dizia assustada, com medo de andar na cidade, agora acha a intervenção um exagero.

Em meio a essa balbúrdia, mais que em outras vezes, pipocam boas avaliações de todos os lados, sintoma de que a sensatez também possa entrar no jogo. Essa é uma boa notícia.

Soldados das FOrças Armadas em ação no Rio. Foto Tânia Rêgo/Agência Brasil

Vladimir Palmeira — um dos ícones ainda de pé do movimento estudantil nos anos 60 – chama as esquerdas às falas. Em artigo publicado em O Globo, ele critica a forma preconceituosa e partidarista da reação da esquerda à intervenção federal que, com todas as ressalvas, veio em um momento que a situação ficou insustentável. E arremata: “A morte de inocentes, sobretudo nos bairros pobres, estava saindo dos limites. A polícia não tinha rumo. Rumo nenhum”.

Com pegada um pouco diferente, o antropólogo Rubem César Fernandes, a cara do Viva Rio também em outras apostas que não deram certo no Rio, mantém o otimismo no artigo “A hora é agora”. Rubem propõe uma série de medidas concretas que possam, no cotidiano, melhorar a vida das pessoas e quebrar os negócios paralelos de milicianos e traficantes, como na venda de botijão de gás.

Suas sugestões estão sendo avaliadas em Brasília por estrategistas da intervenção. Devem integrar o pacote para sufocar as fontes de renda das quadrilhas.

De uma maneira geral, favoráveis, críticos ou opositores da ação federal consideram as favelas o grande palco das batalhas que vão definir o sucesso ou fracasso dessa empreitada.

O Rio é matriz de um modelo de bandidagem na política que fez escola país afora. É mais fácil desvendar o que a cada dia se revela lá pelo que antes foi descoberto no Espírito Santo, um estado em que isso parecia estar dando certo.

Até que uma força-tarefa federal virou o jogo.

Essa expertise capixaba, concebida pelo procurador Roberto Santoro, é referência para Raquel Dodge, procuradora-geral da República, e Raul Jungmann, novo ministro da Segurança Pública, no desafio no Rio de Janeiro.

Mesmo com as boas biografias de cada um, Raquel e Raul só chegaram aonde chegaram com o aval de Michel Temer. Ao bancar também a intervenção na segurança do Rio, Temer fez três ousadas apostas para um presidente da República na berlinda da Lava Jato.

Se os resultados forem bons, ele vai ter motivos para comemorar. Fez algo pelo Rio de Janeiro, que se espalhar pelo país, será ainda melhor.

Se realmente der certo, talvez colha os frutos. Temer até pode se aventurar em uma candidatura presidencial ou se juntar a Lula e Collor em busca de salvo condutos contra condenações por corrupção.

Mas há sempre o risco dos fatos atropelarem o script. Quem se imaginou herói virar vilão em seu próprio filme. Collor acabou com o cheque ao portador e, por isso, foi possível identificar o fantasma que pagou seu famoso Fiat Elba.

Ex-presidentes Fernando Collor e Dilma Rousseff.

Dilma Rousseff comemorou como um de seus grandes feitos a sanção na Lei da Delação Premiada, um instrumento essencial no combate à alta criminalidade no país. As investigações avançaram a tal ponto que, além de apressarem a sua queda, detonaram seu padrinho Lula, seus parceiros e até seus maiores adversários.

No mundinho político, não importa denúncias, presidentes só caem quando tropeçam em si mesmos. Collor e Dilma são tidos como exemplos de neófitos que nunca entenderam a arte de dar ponto sem nó.

Por essa ótica, Lula teria sobrevivido ao Mensalão por seu aguçado instinto político. Temer também teria os predicados para se livrar da Lava Jato pelo menos enquanto despachar no Palácio do Planalto.

A dúvida é se a intervenção na segurança do Rio, que parece em boas mãos, vai abrir caixas de pandora. Nas favelas e, principalmente, no asfalto. O Rio pode ser um estopim nacional.

A ousadia de Temer pode ser sua glória. Ou seu caixão.

A conferir.

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