As investidas do time da impunidade para revogar leis contra a corrupção

A ampla ofensiva para resgatar o tempo em que poderosos não podiam ser punidos

O combate à corrupção sempre foi bandeira de demagogos e aventureiros nas disputas pelo poder em todos os níveis. Isso rolou frouxo na história do país em que até um “rouba, mas faz” virou justificativa eleitoral. Vários conquistaram governos e mandatos parlamentares, alguns caíram durante ou depois de seus mandatos por terem sido flagrados como corruptos. A grande maioria dos larápios na política seguiu
 no mesmo ramo. Tinham bons motivos para acreditar que a punição não era para valer.
Mesmo quem pagou algum pedágio pelos crimes teve a oportunidade de voltar a cometê-los. O ex-presidente Fernando Collor, hoje protegido pelo mandato de senador,  continua livre, leve e solto para impunimente continuar bancando assaltos aos cofres públicos. Dizem os investigadores que as provas contra ele são infinitamente superiores as que levaram a seu impeachment.
Ex juiz Sérgio Moro – Foto Orlando Brito

Como outros políticos, Collor acha que ganhou um atestado de inocência depois que Lula, seu grande oponente na eleição presidencial de 1989, também foi flagrado em corrupção. Mesmo com uma penca de denúncias nas costas, o senador Renan Calheiros, que sempre transitou bem entre Collor e Lula, virou paladino do combate à Lava Jato e a todas as grandes investigações sobre corrupção. Foi um dos poucos políticos com coragem para peitar o então juiz Sérgio Moro. Tinha o respaldo de Lula e do PSDB então comandado por Aécio Neves.

O marqueteiro João Santana no programa Roda Viva

Essa parceria começou durante o governo Dilma Rousseff. Lula, que nunca engoliu a candidatura à reeleição de Dilma — vale assistir a entrevista de João Santana, marqueteiro de ambos no Roda Viva -, abriu o caminho para seu impeachment quando prometia e não conseguia entregar a submissão da então presidente da República a um jogo para barrar a Lava Jato. Deu no que deu.

Michel Temer e Renan Calheiros – Foto Orlando Brito

A aposta em Michel Temer como solução também não deu certo. Seus próprios rolos o embaralharam. Desde então, Renan Calheiros se juntou ao ministro do STF Gilmar Mendes e chamaram a briga para eles. Ganham aqui, perdem acolá. Ganharam força com  a  inesperada adesão ao jogo deles de Jair Bolsonaro, cujo clã foi flagrado em enriquecimento ilícito com a operação comandada pelo faz tudo Fabrício Queiroz nas famosas rachadinhas.

Essa junção de interesses resultou no acordão sobre o qual escrevo aqui há mais de um ano. Começou como parceria para fritar Sérgio Moro, cuja presença no primeiro escalão do poder em Brasília, era visto como ameaça ao jogo de compadres de sempre. O próprio Moro meio que se deslumbrou com essa ilusão, achou que poderia fazer história no campo adverso. Errou nessa aposta e causou alguns arranhões em sua biografia. Nada relevante. A não ser dar gás a todos que se opõem ao avanço do combate à corrupção.
O PGR Augusto Aras – Foto Orlando Brito

Eles entraram em campo com força máxima. Conseguiram mudar a bussola na gestão de Augusto Aras na Procuradoria-Geral da República, se iludiram com a vantagem momentânea no STF, e descobriram que comemoram a vitória antes do apito final. Por mais dribles que façam, há leis em vigor. Juízes, procuradores do ministério público e da AGU, delegados de polícia, auditores da Receita Federal, Banco Central e de Tribunais de Contas país afora não são marionetes desses eventuais poderosos. Esse pessoal chegou lá por concurso público.

Se o jogo é adverso chama o VAR. Os políticos corruptos têm força suficiente para influenciar as pautas dos Três Poderes da República. Como não deu certo para todos a  aposta de liquidar os processos em decisões judiciais, em geral monocráticas, resolveram embaralhar as leis relativamente recentes que, aplicadas, finalmente abriram o caminho para punir bandidos de todas as estirpes — de traficantes de drogas e de armas à  turma de colarinho branco.
Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff – Foto Orlando Brito

Menos troglodita que alguns parceiros no acordão, Rodrigo Maia, presidente da Câmara dos Deputados, cria uma “comissão de juristas” para atualizar a Lei de Lavagem de Dinheiro, com apenas sete aninhos de vigência em meio a um montão de legislação arcaica. Essa lei proposta por Dilma Rousseff como resposta a espontânea revolta popular em 2013 virou um marco no combate à corrupção política. Virou pesadelo pros bem remunerados advogados para evitar que seus clientes do andar de cima fossem para a cadeia.

Geddel Vieira Lima – Foto Orlando Brito

Pois bem. A tal comissão de juristas é jogo de cartas marcadas, integrada por 24 advogados, 13 representantes do Judiciário e 7 do ministério público. As propostas que estão jorrando são teses não emplacadas em defesas da nata de políticos e seus operadores flagrados nas operações contra a corrupção. A cereja desse bolo de pizza é a proposta para que as mudanças sejam retroativas, beneficiem corruptos condenados, uma verdadeira anistia para os que meteram a mão nos cofres públicos. Evidente que, entre os “juristas” da comissão, está Gamil Föppel, advogado do ex-ministro Geddel Vieira Lima e suas malas com R$ 51 milhões. Se sua proposta, Geddel ficará livre, leve e solto.

São propostas de vários advogados da comissão que, se cruzadas com sua cartela de clientes, parecem em causa própria. Uma delas é explícita. Alguns advogados integrantes da comissão defende que os honorários advocatícios, sob qualquer hipótese, não configuram lavagem de dinheiro. O argumento é que os advogados estão sendo punidos pelo simples recebimento de seus honorários. Sem contar quem defende a turma de colarinho branco, os advogados do PCC e do Comando Vermelho também devem agradecer.

Jair Bolsonaro com os filhos Flávio, Eduardo e Carlos – Foto Reprodução Instagram

Essa medida blindaria, por exemplo, advogados que estão na mira da Lava Jato no Rio de Janeiro acusados pelos investigadores de firmarem milionários contratos fictícios para lavagem de dinheiro. Não é raia miúda. Entram na roda, entre outros, os principais advogados do ex-presidente Lula e do clã Bolsonaro. O mais relevante se essa investigação fosse adiante seria jogar luz na relação entre ministros dos tribunais superiores e seus parentes bem sucedidos em seus tribunais. O ministro Gilmar Mendes, sempre ele, suspendeu mais essa apuração.

Tá meio cansativa essa história dos ratos correrem atrás dos gatos.

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