The Post, o filme, e o anseio por informação de qualidade

Termina a sessão de The Post, o filme de Steven Spielberg em cartaz, e a plateia do cinema começa a aplaudir entusiasticamente tão logo aparecem os créditos finais. Por melhores que sejam, não costuma ser uma reação comum das plateias aplaudir filmes. Afinal, seus realizadores não estão ali fisicamente para receber os cumprimentos. Somente filmes que mexem muito com a emoção dos espectadores costumam receber essa reação. Pelo que me contam, a reação nesta seção do último domingo (28) não foi algo isolado. As pessoas estão aplaudindo The Post.

É algo curioso que o relato de uma situação vivida na redação de um jornal impresso na década de 1970, nos Estados Unidos, diante da tensa relação política do governo Richard Nixon naquela época, com a contestação que havia contra a Guerra do Vietnã, gere tal emoção nos dias de hoje. Para as novas gerações, talvez seja até difícil compreender os detalhes da rotina que o filme mostra nas redações dos jornais. Quantas pessoas conseguem reconhecer aquelas máquinas de linotipo ou os riscos dos desenhos de página feitos pelos diagramadores? Toda essa realidade quase extraterrena para qualquer um com menos de 40 anos aparece no filme sem qualquer preocupação didática maior de explicá-la. E mesmo assim o filme emociona. E é aplaudido no final.

Nas entrevistas sobre seu filme, Spielberg vem matando um pouco dessa charada. O que o motivou a desenvolver a história e transformá-la em filme foi o que ele chama de “tempo das fake news”. O atual ambiente, onde as pessoas informam-se pelas redes sociais, de forma rasa e descontextualizada. Não conseguem distinguir o que é falso ou verdadeiro. Nem conseguem informações mais detalhadas e aprofundadas sobre as questões que as afligem.

Em muitos momentos, a disseminação das informações é meramente militante. Os diversos grupos de interesse tratam de difundir o que lhes interessa, de forma distorcida e rasa, o mais próxima possível de mera palavra de ordem, de slogan de propaganda. A lógica das redes sociais trata de distorcer ainda mais a coisa, porque aproxima as informações ao que cada pessoa já pensa e aos seus interesses. No caso dos Estados Unidos, tendo agora um presidente com alta participação nesse jogo. Quando não está cuidando da tintura do cabelo, Donald Trump está nas redes sociais, desqualificando seus adversários e tendo como um de seus alvos preferenciais, a imprensa, que ele trata como sua adversária.

Por outro lado, a imprensa vive a maior crise da sua história. Viu esfarelar-se seu modelo anterior de negócios sem que esteja ainda construído um modelo novo. Nenhum veículo de comunicação de hoje poderia, como fez o Washington Post, como se mostra no filme, estabelecer como um de seus ativos numa reunião de negócios a atenção que dá para a manutenção de uma equipe de jornalistas de qualidade. Todos os atuais veículos de comunicação, por conta da crise, andam rifando seus jornalistas de qualidade, substituindo-os por outros mais jovens, menos experientes e mais baratos. Entregando cada vez mais reportagens aos cuidados de estagiários. Equipes menores e com menos tempo para apurar as informações que publica. No mundo do jornalismo on-line, não raro o tempo entre apuração e publicação não passa de alguns minutos. E não raro o veículo vê-se obrigado a corrigir logo depois, pela pressa, o que tinha acabado de informar.

E é preciso se reconhecer que não foram poucos os veículos que caíram na armadilha criada por eles mesmos de abandonar o antigo conceito de objetividade – esse dos tempos do filme – para declaradamente assumir posicionamentos que os fizeram pender claramente para um dos lados da disputa política. Claramente governistas ou oposicionistas, que credibilidade podem esperar ter diante do público que não professa das mesmas ideologias?

Contrapondo o jornalismo tradicional em crise, apresentam-se grupos de blogueiros voluntaristas, tentando fazer valer a ideia de que podem suprir, lobos solitários que são, as carências das cada vez menores equipes dos jornais, das revistas e emissoras de TV. Alguns falam somente para seus grupos. Outros, mal intencionados, achacam para fazer negócios. Muitos unem a isso o problema mencionado no parágrafo anterior: assumem declaradamente um lado do jogo político e não podem, assim, esperar receber, da mesma forma, credibilidade de qualquer um que não professe as mesmas ideologias. Alguns conseguem, pela experiência ou credibilidade de seus titulares, acrescentar algo. Todos, porém, carecem da estrutura mínima necessária para alimentar de forma plena seus leitores com notícias.

As reações a The Post parecem determinar um certo anseio das pessoas por informação de qualidade. Por algum tipo de contrato que lhes garanta obter um relato de confiança sobre o que lhes interessa, num quadro em que não parecem enxergar essa possibilidade vinda de lugar nenhum da imensa profusão de notícias que aparece hoje nos seus computadores, tablets e celulares.

The Post  demonstra que está longe de ser trivial, banal, o trabalho jornalístico. E que ele está longe também de ser dispensável numa sociedade moderna. Segue na mesma linha de mensagem assinalada há alguns anos por Spotlight. Primeiro, mostra como não é na verdade nada solitário o trabalho jornalístico que realmente faz diferença. Tanto em The Post como em Spotlight, fica claro como jornalismo é trabalho de equipe. Como tem resultado efetivo quanto mais toda a estrutura do jornal está envolvida. Desde o proprietário, ao dar a autorização para que a história seja investigada e publicada, até o foca mais novato. Quando envolve não apenas aqueles diretamente relacionados com a apuração, mas todo o corpo da empresa.

É um trabalho que exige dedicação, mas sobretudo estrutura. Não tem como ser bem feito nem por equipes enxutas e inexperientes nem pela ação voluntarista e individual de alguns. Ou seja: a maior parte de quem está hoje no jogo do jornalismo está a quilômetros de ser capaz de produzir informação de qualidade. E a profusão cada vez maior de informação rasa, distorcida, quando não falsa, que chega nas telas de cada um só faz provocar mais confusão e insegurança.

Por menos que compreenda as imagens dos linotipos, dos riscos dos diagramadores e das laudas das máquinas de escrever, o espectador compreende que o recebimento de informações de qualidade é algo que trabalha a seu favor. Que governante algum, seja de que partido for, jamais vai se agradar com o trabalho de uma imprensa livre, cumprindo o seu papel.  Que sempre tentará atacar ou relativizar o trabalho da imprensa.

Menos Google. Mais sola de sapato. Mais saliva gasta. Mais papel de bloquinho. Mais tinta de caneta. Não sou eu quem está pedindo. O pessoal é que está querendo…

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