Exclusivo: a incrível história do saxofonista do mensalão

“Há pessoas com nervos de aço”. Com uma voz de barítono, o então deputado Roberto Jefferson (RJ), líder máximo do PTB, divertia o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva, no seu amplo apartamento na quadra 302 da Asa Norte de Brasília. Uma pianista o acompanhava. Como espectadora, a professora de canto Denise Tavares, da Escola de Música de Brasília, assistia a tudo um pouco surpresa.

No dia seguinte à festa Denise Tavares perguntou ao saxofonista Vadim Arsky o que era tudo aquilo. Ela estava impressionada com a quantidade de políticos, ministros, autoridades, naquele convescote onde Roberto Jefferson soltara a voz cantando Lupicínio Rodrigues. Bem, para Vadim não era nenhuma surpresa. Naquele dia específico, Vadim não tinha tocado. Mas há quase um ano, nas segundas-feiras, a cada 15 dias, ele comandava um trio de músicos que rotineiramente tocava na casa de Roberto Jefferson. Aquele que, algum tempo depois, precisou de fato de “nervos de aço” para denunciar o mensalão, o esquema pelo qual o PT repassava dinheiro aos aliados políticos do presidente Lula. Um esquema que levou à cassação do mandato e à prisão do ex-ministro da Casa Civil José Dirceu e também do próprio Roberto Jefferson.

A história contada por Vadim, em relato exclusivo para Os Divergentes, é um curioso extrato de como se dá a relação política entre governos e partidos aliados no modelo de presidencialismo de coalizão brasileiro, em que as adesões passam longe das convicções ideológicas e acontecem somente em troca de verbas, cargos e outras benesses. Os políticos que chegavam de seus estados no início da semana iam para a casa de Jefferson para animadas rodadas políticas embaladas pelo saxofone de Vadim Arsky.

“No início do primeiro governo Lula, uma produtora me ligou e perguntou se eu estava disponível para tocar segunda-feira sim, segunda-feira não, em um apartamento na 302 norte”, conta Vadim. “Coloquei um preço bom (para mim) que foi aceito sem problemas”, continua. O saxofonista formou, então um trio, onde, além do seu saxofone, havia um piano e um baixo. No repertório, standarts do jazz e clássicos da Bossa Nova. Sua primeira surpresa aconteceu quando foi recepcionado na porta pelo deputado Roberto Jefferson. A segunda surpresa foi quando viu o buffet, com opções caríssimas de camarões e outros quitutes. E garrafas de vinho de preços estratosféricos.

“Nessas reuniões chegavam todos os políticos do PTB, deputados, senadores e outros com e sem cargos no governo”, recorda-se Vadim. Segundo ele, o trio posicionava-se na sala exatamente atrás de onde ficava o sofá onde Roberto Jefferson se sentava. E enquanto os músicos tocavam, uma fila ia se formando de pessoas que buscavam o privilégio de uma conversa de pé do ouvido com o líder do PTB. “De tempos em tempos, ele entrava com alguém para a área dos quartos”, conta Vadim. “Quando os convidados chegavam, eram saudados pelo título ou cargos que tinham. Quando havia alguma nova nomeação, era uma festa danada”.

“Uma das noites, o Roberto Jefferson pediu para tocarmos uma música que ele iria cantar”, recorda o saxofonista. “Após sua cantoria, disse a ele que tinha uma boa voz que poderia ser trabalhada por um bom professor de canto”. Foi assim que se iniciou a “carreira” de Roberto Jefferson como cantor. No dia seguinte, a produtora que contratou as apresentações nas festas do líder do PTB pediu a indicação de um professor de canto. Vadim indicou Denise Tavares. Na sequência, a professora Denise pediu a Vadim indicações de um bom teclado para um músico e cantor iniciante. “Recomendei alguns para ele escolher. Durante esse tempo, continuei tocando nas segundas e ele me agradeceu por ter indicado a professora, mostrou o teclado novo e disse que estava tendo aulas de canto e gostando muito”, conta.

No dia em que Lula pisou na sala do apartamento da 302 Norte, Vadim planejava levar uma banda maior, a pedido de sua produtora. “Era uma data especial, pois o presidente iria à reunião naquele dia”, explica Vadim. “Logo em seguida, ela me ligou novamente e me disse que o Roberto Jefferson tinha optado por levar a sua professora de canto para aquele evento, e que seria acompanhado por uma pianista, que também era minha conhecida”.

“Depois do evento, a minha amiga cantora veio me contar sobre aquilo, se eu sabia o que estava acontecendo naquelas reuniões, pois no dia em que o Lula foi estavam praticamente todos os líderes dos partidos aliados do governo. Eu disse que não tinha ideia do que estava acontecendo. Achava que eram reuniões sociais políticas”, relata Vadim. O saxofonista não conhece detalhes maiores do que era discutido nas reuniões regadas a vinhos caros, camarões, jazz e bossa nova. Sua função ali era soprar seu saxofone.

As festas políticas na casa de Roberto Jefferson acabaram depois do dia em que o advogado paranaense Joel Santos Filho entrou com uma câmera escondida numa maleta na sala do então diretor da Empresa de Correios e Telégrafos, Maurício Marinho. Contratado pelo empresário Arthur Washeck Neto, Joel gravou um vídeo em que negociava com Marinho, um indicado do PTB de Roberto Jefferson, pagamento de propina. O vídeo foi parar na capa da revista Veja. Maurício Marinho foi demitido por justa causa, o PTB caiu em desgraça, e Roberto Jefferson atribuiu tudo ao então ministro da Casa Civil, José Dirceu. Com ódio, Jefferson procurou a jornalista Renata Lo Prete, então no jornal Folha de S. Paulo, e denunciou a existência do mensalão. O resto é história, que, na sua sequência, hoje arrasta para a prisão dezenas de empresários e políticos com a Operação Lava-Jato.

Professor licenciado da Universidade de Brasília, Vadim Arsky hoje cursa PhD em educação musical na University of Florida, nos Estados Unidos. Ele pertence a uma linhagem que tem a música como vocação. De acordo com Zuza Homem de Mello, no seu livro “A Era dos Festivais, uma Parábola”, o pai de Vadim, o advogado cujo nome é também Vadim da Costa Arsky, participou do primeiro dos festivais da canção da década de 1960, a I Festa da Música Brasileira, organizada pela TV Record no Grande Hotel, na Praia do Guarujá, em São Paulo. Segundo Zuza Homem de Mello, Vadim, o pai, classificou três músicas para o festival, que acabou vencido por Newton Mendonça, com sua “Canção do Pescador”. A passagem do pai de Vadim pela era dos festivais é quase tão discreta quanto a de seu filho pelas reuniões políticas do governo Lula. Quase ninguém se lembra desse primeiro festival. Somente em 1965 é que a febre dos concursos de música iria estourar, com o Festival da TV Excelsior, vencido por “Arrastão”, de Edu Lobo e Vinicius de Moraes, na voz de Elis Regina.

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