Eumano Silva nos conta como, nas ditaduras, morre a diplomacia

O velho amigo e jornalista Eumano Silva nos brinda com o livro “A Morte do Diplomata”, publicado pela Tema Editorial. O livro bem poderia ter se chamado “A Morte da Diplomacia”. Além do relato que tenta investigar as razões da trágica morte do diplomata mineiro Paulo Dionísio de Vasconcelos em Haia, na Holanda, nos tempos de chumbo da década de 1970, Eumano nos mostra como é impossível a sobrevivência da diplomacia quando a brutalidade passa a ser a regra principal de um regime político.

Diplomacia requer tolerância, habilidade, serenidade, diálogo, respeito pelas opiniões dos outros, inteligência. É a vitória da negociação sobre a força bruta. É, portanto, tudo o que uma ditadura jamais poderá ser. As ditaduras são o suprassumo da intolerância. São a negação da habilidade. Mandam a serenidade às favas. Impõem a palavra. Desprezam a opinião dos outros. Sobretudo, mandam para o exílio a inteligência. E são o triunfo da força bruta. Não se sabe como morreu, se alguém matou ou como matou Paulo Dionísio. Sabe-se, porém, com muita clareza, como a ditadura militar matou a diplomacia. E como isso acabou por vitimar Paulo Dionísio.

Nesses tempos de democracia ameaçada pela crise política, nesses tempos de retorno de pensamentos de direita e conservadores, nesses tempos em que a inteligência quase sempre deixa de mostrar as suas caras nos “debates” e “diálogos” (palavras que vão aqui com todas as aspas possíveis) das redes sociais, o livro de Eumano Silva torna-se vital.

Os tristes tempos da ditadura militar, quando os coturnos pisaram sem piedade nas nossas vidas, são a especialidade de Eumano Silva. Ele já tinha nos brindado com “Operação Araguaia – Os Arquivos Secretos da Guerrilha”, em parceria com Taís Morais, publicado pela Geração Editorial. A partir desse trabalho, Eumano foi nomeado pelo Ministério da Defesa para o Grupo de Trabalho Tocantins que, entre 2009 e 2010, buscou os desaparecidos da Guerrilha do Araguaia. Em 2013, foi pesquisador da Unesco para a Comissão Nacional da Verdade.

É durante esse trabalho que ele esbarrou na misteriosa história de Paulo Dionísio de Vasconcelos. O diplomata apareceu morto dentro do seu carro em uma rua de Haia em 1970. Foi encontrado ali por um casal de ciclistas. Estava tingido de sangue, com um corte no pescoço. O que terá acontecido com Paulo Dionísio? Matou-se? Foi assassinado? Buscando inspiração nos romances policiais, Eumano escreve seu livro reportagem. Tenta juntar os cacos em busca de explicações sobre o episódio.

Em seu trabalho, Eumano consegue em seu auxílio um conjunto de documentos preciosos: os diários que Paulo Dionísio escrevia. E é nesses diários que fica descrito o brutal assassinato da diplomacia. Além das razões da sua morte, o que ali se descreve é a profunda contrariedade de Paulo Dionísio com a pressão que sofria para exercer a função de araponga, tão próxima da brutalidade da ditadura militar, tão distante da sua verdadeira profissão de diplomata.

Guardando nas páginas de seu diário os conflitos internos que sofria por servir a um regime do qual discordava, Paulo Dionísio descreve como era pressionado para arapongar principalmente o arcebispo emérito de Olinda e Recife, Dom Hélder Câmara, um dos principais inimigos da ditadura pela defesa que fazia do retorno da democracia e pelo respeito que merecia em todos os lugares do mundo. Por mais de uma vez, Dom Hélder será indicado ao Prêmio Nobel da Paz e será questão de honra para os milicos no poder evitar a sua vitória.

Em mais de um momento, Paulo Dionísio é instado a vigiar os passos de Dom Hélder em viagens à Europa. Precisa escapar de armadilhas da linha dura que tenta advinhar suas motivações e humores políticos. Sente-se apertado, sufocado, vigiado. Em determinado momento, recebe misteriosas cartas com ameaças.

Um dia, aparece morto dentro do seu Lancia Fulvia. E fica clara a falta de interesse político seja do governo brasileiro seja do governo holandês em investigar com a devida profundidade as razões da sua morte. Uma apuração rápida determina o suicídio deixando de levar em conta diversas pistas e evidências. Como e por que morreu Paulo Dionísio segue sendo um mistério. Um mistério que Eumano resgata na sua obra.

Quase cinquenta anos depois, o Brasil já não vive uma ditadura. Mas tem a sua democracia ameaçada por tempos estranhos. Tempos em que a diplomacia – como sinônimo de educação, tolerância, inteligência, diálogo – faz falta. As pouco mais de 200 páginas do livro-reportagem de Eumano são uma leitura absolutamente necessária…

 

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