Juiz Paulo Rigo não é mais dono do réu João Higino

Sérgio Moro e Luiz Inácio Lula da Silva.

Sérgio Moro não é mais o senhor dos quatro costados petistas. Naquela que provavelmente é sua maior derrota, até agora, entre seus próprios pares, assim como do grupo que comanda a Lava Jato, o juiz de primeira instância que transformou, por acaso ou voluntariamente, uma operação anticorrupção em uma guerra político-eleitoral, levou um revertério inesperado, com consequências ainda a serem compreendidas. A Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal aceitou um recurso apresentado pela defesa do ex-presidente Lula para retirar do juiz federal, que virou herói nacional para parte dos brasileiros, trechos da delação da Odebrecht que citam Lula. Por 3×2, a maioria destes ministros decidiu enviar os relatos de delatores da construtora para a Justiça Federal de São Paulo, retirando-os da alçada de Moro. É como se João Higino tivesse escapado das mãos de Paulo Rigo, para usar os nomes “de fantasia” dados a Lula e Moro pela série “O Mecanismo” da Netflix. A extensão da, até certo ponto, surpreendente decisão, favorecendo uma defesa que vinha dando murro em ponta de faca, ainda está sendo avaliada, mas deve ter sido algo importante. A ponto de o MPF apresentar a jato (sem trocadilhos) manifestação defendendo que Lula deve ficar na Superintendência da PF de Curitiba. Diz que não há outro lugar no Paraná que permita recebê-lo.

O ex-presidente está detido numa sala preparada para ele no local, separado dos demais detentos, desde o dia 7. Até a ex-presidente Dilma Rousseff, um prêmio Nobel da Paz, Adolfo Esquivel, e um amigo de longa data, Leonardo Boff, além de uma comissão de deputados, foi proibida de visitar Lula por ordem da “guardiã” de sua cela, a juíza Carolina Moura Lebbos, da 12ª Vara Federal de Curitiba. Mantê-lo em Curitiba parece importante para alguém.

Dilma. Lula.

Pra facilitar a compreensão do processo, a maioria dos cinco ministros – Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski e Gilmar Mendes X Edson Fachin e Celso de Mello – acolheu um recurso da defesa de Lula, que argumentou, em dezembro, que os episódios narrados pelos delatores da Odebrecht não tinham relação com a Petrobras. Os relatos são sobre o sítio de Atibaia (SP), frequentado pela família do petista, sobre supostas doações ao Instituto Lula, um apartamento em São Bernardo do Campo (SP) e contratações de palestras. Não haveria, entenderam, causa e efeito, entre as denúncias e supostas vantagens recebidas do alegado esquema fraudulento descoberto por Moro e os processos do qual se defende o réu Lula, já classificado pelo procurador Dalton Dellagnol, ainda na fase de coleta de provas, como o “comandante máximo do esquema de corrupção identificado na Lava Jato”.

Luiz Edson Fachin

No ano passado, o relator, ministro Edson Fachin, determinou o envio desses trechos da delação da Odebrecht, junto com os elementos de corroboração entregues pelos colaboradores, para a Justiça Federal em Curitiba. Fachin atendeu ao pedido da Procuradoria-Geral da República, que afirmou que havia “conexão subjetiva” – preste bem atenção nesse termo, você que já viu, no julgamento do chamado mensalão, o hoje presidenciável Joaquim Barbosa inventar a “teoria do domínio funcional do fato” -, pois se tratam de crimes diversos, praticados por várias pessoas em concurso, e conexão instrumental, dada a inserção de infrações em um mesmo contexto e integrando a mesma cadeia de eventos, sendo que a prova de um influi na dos outros”. Agora, com cinco ministros ouvidos, Fachin virou minoria.

Caberá agora à Justiça Federal e ao Ministério Público em São Paulo decidirem se será aberta uma nova investigação com base nas informações dos delatores da Odebrecht ou se essas informações serão aproveitadas em processos já em andamento. Eventualmente, Moro poderá solicitar o compartilhamento das informações.

A defesa de Lula reagiu na hora. “A decisão proferida pela Segunda Turma do STF confirma o que sempre foi dito pela defesa do ex-Presidente Lula. Não há qualquer elemento concreto que possa justificar a competência da 13ª Vara Federal Criminal de Curitiba nos processos envolvendo o ex-presidente. Entendemos que essa decisão da Suprema Corte faz cessar de uma vez por todas o juízo de exceção criado para Lula em Curitiba, impondo a remessa das ações que lá tramitam para São Paulo”, escreveu, em nota, Cristiano Zanin. “Logo, ao nosso ver, após essa decisão da Suprema Corte nenhuma das ações contra o ex-Presidente pode permanecer em Curitiba. Não existe a possibilidade de haver dois procedimentos penais sobre os mesmos fatos tramitando em juízos diversos. Essa é uma garantia que vale para o ex-Presidente Lula e para todo e qualquer cidadão.”

Sérgio Moro

Moro não quis se pronunciar sobre a decisão. “O Juiz federal Sergio Fernando Moro não irá se manifestar sobre este assunto”, informou em nota a assessoria da Justiça Federal no Paraná. A assessoria de imprensa do Ministério Público Federal no Paraná informou que a força-tarefa da Lava Jato ainda está analisando o impacto da decisão e, por enquanto, também não vai se manifestar. A Procuradoria Geral da República informou que ainda vai analisar se recorrerá da decisão.

O mar ainda não está mesmo pra peixe, mas fica uma sensação de que a maré virou.

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