Estamos sentados em um barril de pólvora?

Protesto em São Paulo

Sim e não. Há sim uma insatisfação generalizada entre a população pobre e uma grande frustração da classe média que apoiou o impeachment da presidente Dilma Rousseff. Mas a probabilidade que o atual cenário de desalento conforme um quadro de convulsão social de grandes proporções ou que ocorram manifestações gigantes de rua, como em 2013 e em 2016 (tipicamente mobilizações de classe média), ainda é relativamente baixa.

A greve dos caminheiros, com o suporte de locaute das transportadoras, paralisou, em um pouco mais de 24 horas, o país de Norte a Sul. O impacto sobre o suprimento de combustíveis, de alimentos e de componentes para as linhas de produção de atividades industriais foi quase que imediato. Direta e indiretamente todos os principais modais de transporte foram afetados; seja por conta da falta de combustíveis, seja por dificuldade de acesso, a operação de portos, aeroportos e rodovias foi prejudicada. Nos centros urbanos, as redes de postos de combustíveis, supermercados e centrais de abastecimentos não tardaram a ser afetadas por problemas de suprimento.

Caminhoneiros fazem paralisação na BR 101, Niterói-Manilha, na altura de Itaboraí­, no Rio de Janeiro. Foto Tomaz Silva/Agência Brasil

A possibilidade de desabastecimento, mais do que o desabastecimento em si, não chegou a provocar pânico, mas gerou um frenesi que se alastrou feito pólvora, em uma velocidade espantosa, mobilizando a atenção de toda a população. Apesar dos constrangimentos e desconfortos causados, a maioria da população, aparentemente, foi simpática à paralisação, como se os protestos dos caminhoneiros em relação às seguidas elevações nos preços do diesel traduzissem a insatisfação generalizada da população, que foi amplificada nas últimas semanas em razão dos aumentos quase diários nos preços da gasolina. Pairou um sentimento de catarse coletiva, como que cristalizando a insatisfação generalizada com os rumos do país.

Onda de insatisfação

Sob certo sentido, havia uma percepção de que uma onda de insatisfação com a crise econômica, com tudo que ela vem representando de desemprego e perdas de rendimento, com milhões de famílias sem alternativas de renda, poderia estourar a qualquer momento, para além da espiral de violência urbana que presenciamos. Nem o mais desavisado dos cidadãos deixou de perceber que as ruas das cidades médias e grandes se encheram nos últimos dois anos de biscateiros, de vendedores de balas, frutas e legumes e de malabaristas e flanelinhas.

Ainda que improvável, a onda de insatisfações poderia ter surgido como convulsão social, brotada por meio de saques a supermercados e feiras livres, invasões em massa de prédios abandonados ou imolações públicas, a exemplo do que aconteceu na Tunísia em 2011, ainda que essa última não seja uma modalidade de protesto encontrada no mundo ocidental. Ou por meio de ações de setores mais estruturados, como greves gerais de trabalhadores ou, como se deu, a partir de paralisação dos caminhoneiros e transportadoras. Ou ainda, por meio de nova rodada de manifestações de rua.

Não dá nem mesmo para afirmar que a mobilização dos caminhoneiros antecipe ou vá se desdobrar em outros movimentos de reivindicação ou de protesto, mas a alma dos brasileiros está plena de insatisfações, ainda que não pareça que esteja pronta para explodir como um barril de pólvora.

Juros, câmbio, óleo e eleições

Em um cenário de penúria e desalento da população pobre e de frustração e de queda do poder de compra de amplas parcelas da classe média, por um período que já se estende por mais de três anos, novos fatores negativos estão se sobrepondo e podem ser sintetizados em quatro elementos básicos: juros, câmbio, preço do barril de petróleo e instabilidade política interna.

A expectativa de elevação da taxa de juros básicas dos EUA provocou desvalorização generalizada das moedas dos países periféricos e pôs em perspectiva dificuldades crescentes para as economias desses países se financiarem externamente. Desvalorização cambial e elevação dos juros externos impactam diretamente o endividamento em dólar de empresas brasileiras e podem gerar algum impacto sobre os preços internos, ainda que a recessão venha cuidando de manter os preços bem comportados.

Brent

A cotação do barril de petróleo vem em uma espiral ascendente desde maio do ano passado por conta de acordo entre alguns dos principais países fornecedores para limitar a oferta mundial. Mais recentemente, a ameaça de que os EUA rompam unilateralmente o acordo internacional de controle do programa nuclear do Irã, o que pode alijar a oferta desse país do mercado, trouxe novo impulso aos preços, de forma que a cotação do barril do brent vem se aproximando celeremente de US$ 80.

Consumidores compram gasolina em garrafas plásticas em Brasília

Diante da política de preços adotada pela Petrobras de repassar imediatamente para os preços as variações da cotação do produto no mercado internacional corrigidas em reais pelas oscilações diárias do câmbio, o preço médio da gasolina ao consumidor subiu algo em torno de 18% desde julho de 2017. Quando, recentemente, o preço do litro de gasolina na bomba ultrapassou cinco reais em algumas cidades o sinal de alerta acendeu, patenteando que algo não ia bem com uma política de preço que implica remarcações para cima quase diárias.

A nova política da Petrobras para os preços dos derivados de petróleo talvez não se sustente por muito tempo. Assim como o controle político do preço trouxe diversos prejuízos à empresa e consequências duras para o país, a modalidade de liberação adotada, acoplando os preços internos de forma imediata aos preços internacionais corrigidos pelo câmbio causa forte instabilidade e imprevisibilidade. Ficou patenteado que o sistema adotado pela Petrobras não se adequa à realidade de um país sujeito a fortes oscilações no câmbio.

Finalmente a forte e prolongada crise política interna, que a permanência do ex-presidente Lula na prisão somente agrava, é o ultimo e talvez o mais importante ingrediente do cenário de instabilidade que toma conta do país.

* Professor de economia da Universidade Federal de Sergipe

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